Camaradas,
vou cometer a imprudência de falar de poesia numa sessão onde já falaram referências maiores desta arte. Penso, no entanto, que há uma questão de história e filosofia da ação que se impõe, apesar de eu me limitar a utilizar um rol de palavras que já aqui foram ditas.
O 25 de abril permitiu-nos viver a poesia na rua, exercendo a expressão total dos sonhos e ambições do povo português. No entanto, a situação compreendeu os perigos de deixar por aí à solta aquilo que não sabe viver preso. Logo se procedeu à execução de um plano de liquidação da poesia.
Primeiro, através das lógicas capitalistas da produção do lucro, fazendo do “Portugal país de poetas” um slogan de um país que não produzia, que não servia à modernidade.
Segundo, através da imposição, da parte das casas editoriais, do valor da venda sobre o valor da qualidade da obra.
Terceiro, atacando os próprios poetas, que se convenceram de que aquilo que faziam nada valia, imputando-lhes os custos de produção dos livros e respetivas margens de lucro.
Perante isto, os poetas fugiram das ruas, isolaram-se, passaram a viver em circuito fechado, longe da vista e dos ouvidos do povo (e, logo, do seu pensamento).
Algumas personagens foram, ainda assim, escolhidas para representar a “espécie em vias de extinção” nos festivais e comitivas de Estado, garantindo que a poesia voltava a ser, como antes, uma poesia amigável, confortável ao poder, pertença de “saraus” no Palácio de Belém.
É preciso que nós, enquanto comunistas, saibamos colocar um travão a esta realidade, defendendo os valores de abril e a ideia de que um outro país é possível!
Devemos trazer a poesia para a rua:
Na nossa ação junto daqueles que vivem à nossa volta, que frequentam os mesmos locais de trabalho e de lazer.
Na nossa intervenção nas associações, nas coletividades, nos grupos desportivos, nas instituições onde, como eleitos, temos essa obrigação de pensar e falar diferente dos outros.
Na nossa opção de classe, com visão de futuro, ensinando e promovendo junto dos mais jovens aquilo que de mais poético há no nosso projeto - a liberdade.
É fundamental que o povo português saiba que é livre, sendo que isso só é possível através do exercício da poesia.
Entendam que cometi a imprudência de falar de poesia, falando de cultura, falando de trabalho, falando de vida, falando de mundo. É dessa forma integral que devemos viver, enquanto comunistas que somos.
É esse modelo que exige, da nossa parte, enquanto coletivo, a organização de experiências e a elaboração de planos de ação que possam ser estudados e postos em prática pelos camaradas que vivem e trabalham por todo o país.
É isso que espero que possa continuar a ser realizado nesta reunião, ficando bem expresso nas conclusões que daqui saírem.
Intervenção na Reunião Nacional sobre O Estado da Cultura em Portugal e as propostas do PCP, realizada em Lisboa, no dia 2 de julho de 2016.