29.11.13

Bicho

Olho o bicho assustado, vai no meio da estrada e não sabe ainda se estará vivo daqui a poucas horas. No entanto, no bicho há apenas um instinto, não lhe dói o passado, nem o futuro, não o perseguem as memórias do conforto, apenas as luzes dos automóveis.

28.11.13

Portas

Estamos habituados a viver assim, sempre à procura de uma porta aberta na rua deserta. Mas a vida, essa, não tem surpresas. As ruas desertas são, na quase totalidade das vezes, apenas ruas vazias. Sem portas.

27.11.13

Escrevo

Não sei explicar a prosa porque não há um outro sentido qualquer nas palavras, estejam elas como estejam organizadas no papel ou no ecrã. Não sei explicar nada mais do que o óbvio. Por isso, escrevo.

26.11.13

Doença

Recuperar a doença. Aprender a viver com ela. Desconfiar de todos os sinais do corpo. Reter, a cada gesto, o calendário do futuro.

25.11.13

Domingos

Uma rua ventosa, um dia de inverno, uma conversa de café. Domingos cheios de nada, apenas sorrisos breves, ensaios de felicidade.

24.11.13

Caixão

Se lhe perguntam pelos livros, encolhe os ombros. Não quer saber. Prefere inventar diários, fumar cigarros, beber-se a si próprio. Sem o esforço de mastigar a madeira do próprio caixão.

22.11.13

Desesperados de espírito - V

Aprendeste a cortar as veias
acordas leve
sais de casa.

Eu sou a caixa onde guardas
as coisas pífias
como o chorar.

21.11.13

Desesperados de espírito - IV

Cobrimos tantas vezes a pele
de tinta de canetas esquecidas
nas mesas das salas de aula.
O nosso sangue era falso
o que podíamos esperar?

20.11.13

Desesperados de espírito - III

Éramos como todos os outros
desesperados de espírito,
Não sabíamos que o futuro
tinha portas por abrir.

19.11.13

Desesperados de espírito - II

Lembro os dias
de lamber feridas
feitas nas paredes
rugosas da escola.

Lembro os dias
sem sorrir.