22.3.13

Primavera


Desvendas o segredo
bem guardado
do cheiro da tua pele.
Eu refaço o limite
dos teus seios,
colho os frutos
que nascem em teu corpo.
Planto em ti
a semente do porvir
e tu sorris,
aninhada num abraço,
inaugurando a primavera.

21.3.13

Lume


Lume lume
a camisa aberta
os dedos os lábios
os olhos fechados.
Lume fogo
a camisa encarnada
revelando bem mais
que tudo
o que mostra.

20.3.13

De mármore


É de mármore
quente ao toque
a pele onde adormeço.

É de mármore
o olhar que me enternece
sombra sólida da dor.

É de mármore
a rigidez dos sentidos
resistindo bravamente ao escopro.

19.3.13

18.3.13

A tua mão fechada


A tua mão fechada
sobre meu peito encontro.
Peço-te, não a abras,
por medo que assim se perca
meu coração

17.3.13

A Aposta

O que se conhecia de Madalena de Castro Campos, que tem vindo a publicar no blogue les cahiers de la mariée, já dava o tom daquilo que se encontra n’ O Fardo do Homem Branco, o seu primeiro livro, publicado pela açoriana Companhia das Ilhas. 

Ler na Revista Literária Sítio

16.3.13

A Lua


A lua reflete na água do poço.
Sedento, bebo-a
como se tomasse a lua
nos meus lábios.
A lua reflete na água do poço.
Não passa a sede
nem deixa o braço
de puxar o balde.
A lua reflete na água do poço.
E eu bebo a água
e eu sonho a lua
meus lábios húmidos.
A lua reflete na água do poço.

15.3.13

A chuva


Há quanto tempo não chovia
secara já o ribeiro
esquecera-se também crescendo
as ervas à sua beira.

Há quanto tempo não chovia
nem o pássaro cantava
fechado na gaiola da varanda
a vizinha ao seu lado chorando.

Foi já há tempo demais
que água escorrera pela vila
e agora as marcas dos sapatos
pouco perduram na estrada. 

14.3.13

O Leite


O copo de leite, cheio,
sobre a mesa todas as manhãs
ainda antes do sol nascer.

O copo de leite, morno,
querendo prometer a claridade
que nenhum pensamento alcança.

O copo de leite, de um trago,
entornado entre os lábios
arrebatando frágeis auroras.

13.3.13

A árvore


Um homem, pendurado na árvore,
inspira com todo o vagar e cuidado,
sabendo esta a última vez.

Quebrou-se o ramo, a vida inteira,
sobra-lhe tempo, nada o apressa,
para aprender a respirar. 

12.3.13

O meu país


Ontem viajei até ao Concelho de Palmela, no Distrito de Setúbal, a convite do Agrupamento de Escolas do Poceirão e Marateca, para visitar várias escolas e falar sobre o “Afonso e o Livro”. Passei o dia a conversar com crianças que frequentam entre o 2º e o 4º ano do Ensino Básico, provavelmente das idades em que a capacidade de encantamento e a sinceridade na apreciação estão mais à flor da pele. Também conheci as suas professoras e professores, e desta forma fiquei a saber algo mais sobre os problemas que afetam os mais pequenos que por ali andam.


É bom lembrar que estamos a falar de lugares que estão a cinquenta ou sessenta quilómetros de Lisboa. E, por ali, há crianças que chegam muitas vezes à escola com fome. Crianças com pais adolescentes que, por sua vez, serão pais e mães bastante jovens também. Crianças tantas vezes vítimas das ausências de cuidados familiares. Crianças que estando a dez quilómetros de uma praia, nunca viram o mar. Crianças cuja única vez que foram a Lisboa foi no passeio da escola. Crianças para quem o fim-de-semana é brincar no quintal com o cão e ir ao Intermarché. Perante isto, a resposta que o Estado dá, é exigir mais resultados (leia-se, melhores notas) para que se mantenham apoios sociais mínimos, como um psicólogo na escola ou o alargamento de horários para aulas de apoio. Esquecendo, constantemente, de que por muito criativos que os professores sejam, os orçamentos mínimos não permitem que os computadores avariados, os projetores sem cabos, a energia para os aquecedores, os pavilhões sem paredes e as paredes com humidade, não se recuperam apenas com a vontade de sonhar.

No meu país, digam o que disserem na televisão, nos jornais, nas conferências de bem pensantes, continua a ser um milagre uma criança conquistar algo na vida. Como é óbvio, teremos sempre uns quantos que, felizmente, poderão estudar, formar-se, empregar-se, empreender-se e constituir-se como caso de sucesso para que o 10 de junho (feriado ou não) possa contar com os seus medalhados. Mas, no meu país, continuamos como sempre a deixar trás da cerca todos aqueles a quem não sabemos como ajudar. Não sabemos como proporcionar o planeamento familiar, nem os cuidados básicos de educação de uma criança. Não sabemos como ajudar famílias, nem como encaminhar as pessoas conforme aos seus gostos e às suas possibilidades. E, por mais chocante que pareça, atrás da cerca pode ser mesmo ali debaixo da A2, a estrada para onde tantas vezes passamos com destino ao melhor que Portugal tem (Sol &Praia à beira-mar plantados…).

Por isso ontem, quando visitei as escolas daquele agrupamento, e vi olhos que brilham, felizes, perante um livro e uma história, perante a possibilidade de se perguntar qualquer coisa a um crescido, ainda por cima um escritor, que está mesmo ali à mão de semear, percebi que apesar de tudo, estas crianças não sabem ainda de todas as limitações que terão no seu futuro (mesmo que percebam as do presente, ou não me dissesse um rapaz, da sabedoria dos seus dez anos, “sabe que a crise não me permite comprar…”). E perante isto, pedi-lhes aquilo que se pode pedir, seja a uma criança ou a um adulto: por favor, continuem a acreditar.

11.3.13

O Mel


O zumbido da abelha
abre como um fecho
no meio da floresta.

Não há nada a temer
apenas o paraíso
prometido pelo mel.

8.3.13

O Velho


Nada mais lhe restava
do que chegar a velho.
E depois de ali estar
sobrava o nada. 

7.3.13

A falha


Muitos antes de nós
sonharam já o mesmo;
alguns homens e mulheres,
alguns animais.

Mas o que nos pesa nas costas
não é o peso de terem falhado;
é a insustentável solidão
de o falharmos à nossa maneira. 

6.3.13

Liberdade


Por todo o lado havia gente
E em cada um o seu silêncio.
Raramente, pela avenida,
Alguém mais bravo que gritava.

Por todo o lado havia gente,
Uma imensa dor partilhada.
Descendo como quem se entrega
Cantando como quem se cala. 

5.3.13

O eco


Muitos passos depois
já não éramos nós
era o eco
tomando conta do ar
ou dos sonhos
ou da vida.

Não contava a distância.
Havia o aceno
havia os teus olhos
era o eco
um coração cantante
qualquer coisa que vibra.

4.3.13

Manifestação


Fomos à manifestação
para recuperar
a cidade.
Ocupámos o meio das ruas
Caminhámos entre prédios
abandonados
e tentámos ternamente
o sorriso perante todos
os que encontrámos.

Fomos à manifestação
para recuperar
a cidade.
Mas hoje regressámos
cada qual ao seu lugar.
Fora das ruas
dentro dos prédios
abandonados de nós
e dos sorrisos.

Mas, sim, tentámos.
Nós tentámos. 

1.3.13

António de Camões


Vai incerto e não seguro
as mãos nos bolsos
sem dar por nada.

Sobe que sobe
sobe a calçada.