12.3.13

O meu país


Ontem viajei até ao Concelho de Palmela, no Distrito de Setúbal, a convite do Agrupamento de Escolas do Poceirão e Marateca, para visitar várias escolas e falar sobre o “Afonso e o Livro”. Passei o dia a conversar com crianças que frequentam entre o 2º e o 4º ano do Ensino Básico, provavelmente das idades em que a capacidade de encantamento e a sinceridade na apreciação estão mais à flor da pele. Também conheci as suas professoras e professores, e desta forma fiquei a saber algo mais sobre os problemas que afetam os mais pequenos que por ali andam.


É bom lembrar que estamos a falar de lugares que estão a cinquenta ou sessenta quilómetros de Lisboa. E, por ali, há crianças que chegam muitas vezes à escola com fome. Crianças com pais adolescentes que, por sua vez, serão pais e mães bastante jovens também. Crianças tantas vezes vítimas das ausências de cuidados familiares. Crianças que estando a dez quilómetros de uma praia, nunca viram o mar. Crianças cuja única vez que foram a Lisboa foi no passeio da escola. Crianças para quem o fim-de-semana é brincar no quintal com o cão e ir ao Intermarché. Perante isto, a resposta que o Estado dá, é exigir mais resultados (leia-se, melhores notas) para que se mantenham apoios sociais mínimos, como um psicólogo na escola ou o alargamento de horários para aulas de apoio. Esquecendo, constantemente, de que por muito criativos que os professores sejam, os orçamentos mínimos não permitem que os computadores avariados, os projetores sem cabos, a energia para os aquecedores, os pavilhões sem paredes e as paredes com humidade, não se recuperam apenas com a vontade de sonhar.

No meu país, digam o que disserem na televisão, nos jornais, nas conferências de bem pensantes, continua a ser um milagre uma criança conquistar algo na vida. Como é óbvio, teremos sempre uns quantos que, felizmente, poderão estudar, formar-se, empregar-se, empreender-se e constituir-se como caso de sucesso para que o 10 de junho (feriado ou não) possa contar com os seus medalhados. Mas, no meu país, continuamos como sempre a deixar trás da cerca todos aqueles a quem não sabemos como ajudar. Não sabemos como proporcionar o planeamento familiar, nem os cuidados básicos de educação de uma criança. Não sabemos como ajudar famílias, nem como encaminhar as pessoas conforme aos seus gostos e às suas possibilidades. E, por mais chocante que pareça, atrás da cerca pode ser mesmo ali debaixo da A2, a estrada para onde tantas vezes passamos com destino ao melhor que Portugal tem (Sol &Praia à beira-mar plantados…).

Por isso ontem, quando visitei as escolas daquele agrupamento, e vi olhos que brilham, felizes, perante um livro e uma história, perante a possibilidade de se perguntar qualquer coisa a um crescido, ainda por cima um escritor, que está mesmo ali à mão de semear, percebi que apesar de tudo, estas crianças não sabem ainda de todas as limitações que terão no seu futuro (mesmo que percebam as do presente, ou não me dissesse um rapaz, da sabedoria dos seus dez anos, “sabe que a crise não me permite comprar…”). E perante isto, pedi-lhes aquilo que se pode pedir, seja a uma criança ou a um adulto: por favor, continuem a acreditar.