30.6.16

Futuro

Por não querer um mundo igual 
todos os dias, invento-me novo
a cada manhã, descascando a 
pele de velhos ventos e tempestades.

De tudo pouco ou nada faço 
alarde, de silêncio melhor parece
o caminho percorrido, enquanto deixo
semente em cada centímetro de terra.

Por não querer um mundo o mesmo 
mundo novamente, faço-me de vez
sempre a fazer-me, abrindo bem os
olhos ao que houver de futuro lá para 
a frente.

29.6.16

Senhor Ministro

O Senhor Ministro não disse
tudo aquilo que acabou de dizer.
Na verdade, talvez tivesse dito
se o pudesse dizer sem que parecesse
que tinha mesmo dito. 
Mas, que fique bem registado, 
o Senhor Ministro não disse, 
mesmo que tenha dito, 
aquilo que acabou de dizer. 

21.6.16

Epístola à gente do futuro - II

Foi então que deixámos de caminhar
em direção ao que seria o nosso futuro
para passarmos a escutar aquilo
que nos faziam crer ser o nosso passado.

Deixámos de lamentar sortes e lotarias, 
nunca nos convenceram na aleatoriedade
das sensações deixadas pelas classes fortes, 
para nos entregarmos ao entendimento

profundo do que os tempos nos haviam
ensinado. E foi de tal forma pungente
a perceção de que as nossas dores tinham
já cura na entrega às marés de quem lutou

antes de nós, que os barcos puderam 
retomar seus rumos sem mais temer o mar. 

Epístola à gente do futuro - I

Naqueles dias as ruas ainda eram
o lugar de todos os confrontos da 
humanidade. Os salários baixando
ao sabor do aumento do desemprego

e outras injustiças profundas nos locais
de trabalho, o sem rumo da educação 
no país, os avisos e exasperações
dos desmandos da união estrangeira.

Mas, pela televisão, continuávamos a 
receber as instruções necessárias que
nos apontavam a importância de nos
mantermos fechados em casa, à

espera que a nossa mensagem criptada
mudasse o rumo das coisas do mundo.

16.6.16

Um elétrico chamado esperança

Esperava na estação um elétrico
chamado esperança. 
Não tinha destino, mas sabia,
para onde quer que fosse,
nunca poderia chegar. 

Segurava um balão de oxigénio
com um fio que asfixia. 
Parecia que nada lhe chegava 
a tocar, imune que era
a qualquer dor. 

14.6.16

Um empate

Já só somos felizes com o que soa a pouco. 
Um amigo que encontra emprego 
e se descobre nas mãos de um sádico chefe, 
uma solução precária para a saúde
de uma vítima de doença prolongada, 
o pequeno arranjo que mantém 
o carro a andar, mas sem esperanças. 

Podemos fazer a festa com um empate. 
Não esperamos muito mais da vida toda, 
essa certeza que não precisa de provas
de que o falhanço é seguro e inevitável. 

Já só somos felizes por não sermos infelizes.
Uma bola que quase entrou na nossa baliza
e foi salva com a mão pelo melhor jogador, 
a última cerveja da noite numa barraca
onde não existe um frigorífico, 
uma dor qualquer que não sabemos explicar
mas que ainda nos deixa andar em pé. 

13.6.16

Ladaínha

Anjo mudo que me fala
mesmo no silêncio deitado,
eu não rezo, nem desespero, 
pelo som das asas batendo, 
palavras feitas em toque, 
anjo quieto, ao meu lado. 

Anjo branco que encandeias
mesmo de escuro vestido, 
eu não clamo, mas encontro, 
o voo silente do teu corpo, 
desejos feitos tatuagens, 
anjo pele, ao meu lado.