31.12.13
30.12.13
Anónimo
Na cena do acidente ficou um pequeno vestígio de sangue que nenhum teste conseguiu identificar. Poucos acreditam, no entanto, que o anónimo seja um sobrevivente.
27.12.13
Cão
Os olhos do cão seguem-me pela sala, num silêncio feito apenas da sua respiração cada vez mais ansiosa. Mais um dia que passa, igual. E o cão que não ladra.
26.12.13
Árvores
Como as árvores que, ao longe, passeiam vagarosas pela tarde, ainda que tenham os pés presos no chão.
25.12.13
Natal
Não escreverás no dia de natal. Para que a frase não tenha o óleo dos fritos, nem um papel de presente amarrotado se intrometa no ritmo dos teus desejos.
24.12.13
Festas
O mundo não foi feito para se desejar boas festas. Que as festas sejam boas é apenas o sintoma de que as coisas correm como deveriam correr.
23.12.13
Falta
O Doutor não queria deixar a filha à espera na porta do Colégio. Por alguma razão, parecia-lhe propício que ela não experimentasse a ansiedade da falta momentânea.
20.12.13
Vento
Ainda procura em tudo a poesia do mundo. E a cada passo ela foge-lhe, como se o vento não estivesse interessado em que homens e sonhos se encontrassem.
19.12.13
Dor
Também ele chorou e tremeu, pensando que o amor só seria justificado se passasse pelo sofrimento. Ainda não sabia que, quando dói, não é amor.
18.12.13
Prova
Mesmo desinspirado, atiras-te, uma e outra vez, às palavras, à folha em branco. Cansas-te e desgastas-te, à procura de qualquer coisa que não existe. Queres fazê-lo, não por mais nada, apenas para dares prova de como és mau.
17.12.13
Reescrever
Aprender a reescrever a viagem, não transforma a viagem. Apenas faz com que a entendas pelo caminho a seguir.
16.12.13
Espera
As palavras escritas na parede acabaram por desaparecer. Alguma lavagem mais decidida, talvez. No entanto, não devemos ficar tristes pelo que desaparece. Sim, esperançosos com o que nos espera.
13.12.13
Insondável
Gastou então o tempo a apalpar o próprio corpo, tentando entender de onde lhe chegavam as dores que parecia sentir. Não havia nada para lá da realidade do que se via de fora. Apenas essa ideia de perseguir o insondável.
12.12.13
11.12.13
Diálogo
Um diário não é um diálogo, disse-me alguém. Primeiro não percebi se se referia ao falar com as páginas do caderno, no que me parecia estar totalmente errada. Mas, depois, percebi. Guardar memória não passa por conversarmos connosco próprios. Isso é ficção. Daí o meu sossego.
10.12.13
9.12.13
Livro
Tinha uma noção meio desviada do poder das palavras. Recebia-as com algum desprezo. Entregava-as sem qualquer atenção. Estava vivo de mais para se perder num livro.
6.12.13
Realidade
Hoje é o dia em que tudo começa. O dia em que sabes não poder dormir. O dia em que tudo conta. E tu estás preparado. Cruzas os dedos, ranges os dentes, olhas fixamente. Na tua cabeça, tudo acontece uns poucos segundos antes da realidade. É só isso que é preciso.
5.12.13
Público
À frente da sua casa, corria livre pelo relvado. Sabia que nem ali estava solto das suas preocupações. Era apenas um regozijo municipal, uma espécie de colorido público da encenação da sua morte.
4.12.13
Cidadão
Limpava os dedos nas velhas calças de ganga. Comprava guerras com a sua própria saúde. Não tinha nome. Bebia o seu café e saía. Como um qualquer cidadão do mundo.
3.12.13
Silêncio
Foram alguns dias sem dores, outros tantos sem pensar, muitas horas sem querer, alguns minutos perdido. Foi apenas um silêncio. Já passou.
2.12.13
Frio
Podias ser mais frio, invernoso, aprender a chorar no tempo certo. Mas no teu boletim meteorológico, a previsão é sempre incerta.
29.11.13
Bicho
Olho o bicho assustado, vai no meio da estrada e não sabe ainda se estará vivo daqui a poucas horas. No entanto, no bicho há apenas um instinto, não lhe dói o passado, nem o futuro, não o perseguem as memórias do conforto, apenas as luzes dos automóveis.
28.11.13
Portas
Estamos habituados a viver assim, sempre à procura de uma porta aberta na rua deserta. Mas a vida, essa, não tem surpresas. As ruas desertas são, na quase totalidade das vezes, apenas ruas vazias. Sem portas.
27.11.13
Escrevo
Não sei explicar a prosa porque não há um outro sentido qualquer nas palavras, estejam elas como estejam organizadas no papel ou no ecrã. Não sei explicar nada mais do que o óbvio. Por isso, escrevo.
26.11.13
Doença
Recuperar a doença. Aprender a viver com ela. Desconfiar de todos os sinais do corpo. Reter, a cada gesto, o calendário do futuro.
25.11.13
Domingos
Uma rua ventosa, um dia de inverno, uma conversa de café. Domingos cheios de nada, apenas sorrisos breves, ensaios de felicidade.
24.11.13
Caixão
Se lhe perguntam pelos livros, encolhe os ombros. Não quer saber. Prefere inventar diários, fumar cigarros, beber-se a si próprio. Sem o esforço de mastigar a madeira do próprio caixão.
22.11.13
Desesperados de espírito - V
Aprendeste a cortar as veias
acordas leve
sais de casa.
Eu sou a caixa onde guardas
as coisas pífias
como o chorar.
acordas leve
sais de casa.
Eu sou a caixa onde guardas
as coisas pífias
como o chorar.
21.11.13
Desesperados de espírito - IV
Cobrimos tantas vezes a pele
de tinta de canetas esquecidas
nas mesas das salas de aula.
O nosso sangue era falso
o que podíamos esperar?
de tinta de canetas esquecidas
nas mesas das salas de aula.
O nosso sangue era falso
o que podíamos esperar?
20.11.13
Desesperados de espírito - III
Éramos como todos os outros
desesperados de espírito,
Não sabíamos que o futuro
tinha portas por abrir.
desesperados de espírito,
Não sabíamos que o futuro
tinha portas por abrir.
19.11.13
Desesperados de espírito - II
Lembro os dias
de lamber feridas
feitas nas paredes
rugosas da escola.
Lembro os dias
sem sorrir.
de lamber feridas
feitas nas paredes
rugosas da escola.
Lembro os dias
sem sorrir.
18.11.13
18.10.13
17.10.13
16.10.13
Poesia e Trabalho
Aquele poema
de que me esqueci
tão certo e
completo
em todas as
circunstâncias
do encontro
entre
palavra e
mundo
terá sido
finalmente escrito
por um outro
poeta
mais ciente
do seu labor
do que eu.
15.10.13
Inspiração e Intenção
Raramente conto
com a inspiração.
Do muito que transpiro
resumo aos poucos
a minha intenção.
com a inspiração.
Do muito que transpiro
resumo aos poucos
a minha intenção.
14.10.13
Plano e Transgressão
Há que desenhar
o plano
e cumpri-lo
na perfeição
para que no
fundo das horas
se ilumine a
transgressão.
11.10.13
O mar está cheio de corpos - V
Enquanto
estivermos à margem
estará o mar
cheio de
corpos.
A partir de
e dedicado a Henrique Fialho.
10.10.13
O mar está cheio de corpos - IV
A história
nunca acaba -
não se desalinham as marés.A partir de e dedicado a Henrique Fialho.
9.10.13
O mar está cheio de corpos - III
Não se salva
nunca o homem
apenas
a sua última
palavra.
A
partir de e dedicado a Henrique Fialho.
8.10.13
O mar está cheio de corpos - II
Silêncio
mais profundo
nem do mar
um rumor.
A partir de
e dedicado a Henrique Fialho.
7.10.13
O mar está cheio de corpos - I
Mesmo no mais escuro breu
descobriremos um farol.
descobriremos um farol.
A partir de
e dedicado a Henrique Fialho.
6.10.13
Porque paramos a olhar para uma fotografia?
Porque paramos a olhar para uma fotografia? Porque nos lembra um indefinido momento em que alguém, entre a preocupação de fixar o momento e a velocidade do seu próprio pensamento, deixou que fosse a lente a decidir o que é, afinal, a posteridade.
Título: Tirado no Tejo de Vila Franca para o Cabo no dia 1 de Maio [Material gráfico] Autor(es): fot. Foto Rocha Publicação: 1949 Descrição Física: 1 prova fotográfica : castanho ; 6 x 9 cm Notas: Papel Ridax. - No verso: carimbo quadrangular ao centro "Foto - Rocha / T. Vedras". - Também no verso, manuscrito a tinta azul: "Tirado no Tejo de Vila Franca / para o Cabo no dia / 1 Demaio / 1-5-1949 / Torres Vedras". - Digitalização : BMTV Espólio de Adão Carvalho/ Biblioteca Municipal de Torres Vedras.
4.10.13
Países do Sul
Não escrevo mais
poemas de amor.
Mas também
não teço considerações
sobre a economia
dos países
do sul
de mim.
poemas de amor.
Mas também
não teço considerações
sobre a economia
dos países
do sul
de mim.
3.10.13
2.10.13
1.10.13
30.9.13
Aviso
Não vais
estar sozinha
no dia em
que a chuva
cair sobre o
telhado
nem irás
chorar tanto
que possas
inverter
o natural
sentido das águas.
27.9.13
26.9.13
25.9.13
24.9.13
23.9.13
20.9.13
O retrato - IV
Do teu silêncio
fiz meu hábito
e também
algum consolo.
Do retrato
um argumento
contra a solidão
e o esquecimento.
fiz meu hábito
e também
algum consolo.
Do retrato
um argumento
contra a solidão
e o esquecimento.
19.9.13
O retrato - III
Quero amá-lo, de verdade,
ao teu retrato,
essa imagem onde
não dás cara
nem olhar,
só abandono.
ao teu retrato,
essa imagem onde
não dás cara
nem olhar,
só abandono.
18.9.13
O retrato - II
Já não existem gavetas
para retratos como o teu.
Mas ainda sobram memórias
onde os sonhos adormecem
esperando pelos olhares
que os façam acontecer.
para retratos como o teu.
Mas ainda sobram memórias
onde os sonhos adormecem
esperando pelos olhares
que os façam acontecer.
17.9.13
16.9.13
O querer
Porque tantas vezes
o querer
foi em sentido
contrário,
como nulas
as lembranças
em mim deixadas
pelos teus dedos,
talvez calor,
ou que eu me queime,
solucione
quantos versos
eu escrever
no teu futuro.
Foto: Sofia Martins Baleia
5.9.13
30.8.13
A história do mundo contada por computadores - 5
Isto são
tudo números
e os números
não enganam.
As pessoas
sim.
Com dez
dedos
em busca
incessante
da felicidade
digital.
29.8.13
A história do mundo contada por computadores - 4
Um computador já pode simular
o cansaço – da mesma maneira,
tu te deitas e levantas como se
nada fosse.
Uma pergunta tanta vezes ignorada
é também uma resposta mal dada.
o cansaço – da mesma maneira,
tu te deitas e levantas como se
nada fosse.
Uma pergunta tanta vezes ignorada
é também uma resposta mal dada.
28.8.13
A história do mundo contada por computadores - 3
A história do mundo não é
a tua história.
Sabes isso, mas não sabes.
Ignoraste sempre os fins
de modo a aproveitar os meios.
No pouco que dormias
encenavas, finalmente,
o muito que sorrias.
a tua história.
Sabes isso, mas não sabes.
Ignoraste sempre os fins
de modo a aproveitar os meios.
No pouco que dormias
encenavas, finalmente,
o muito que sorrias.
27.8.13
A história do mundo contada por computadores - 2
Tentaste refazer o mundo
exatamente, peça a peça,
a partir do pouco que vivias
em forma de não-vida possível.
Cedo percebeste que algo novo
podia inventar-se, ao menos se.
E se, logo depois, aconteceu.
exatamente, peça a peça,
a partir do pouco que vivias
em forma de não-vida possível.
Cedo percebeste que algo novo
podia inventar-se, ao menos se.
E se, logo depois, aconteceu.
26.8.13
A história do mundo contada por computadores - 1
Antes do
império
ou depois do
império
não sei bem
ao certo –
tudo era
longe
para o perto
que eu
buscava –
e não era
filosofia,
era, talvez,
miopia.
Dizia eu,
antes do
império,
era apenas o
desconhecimento.
A felicidade
não se
escrevia
com os dez
dedos
das mãos.
23.8.13
ideias para um conto - 5
O fornecedor de histórias. Um escritor já com longo currículo tem, por obrigações contratuais, que entregar um romance até final do ano. Visto que há uns meses que tenta, sem sucesso, elaborar um texto, decide desistir e deixar o mundo da escrita, quebrando, inclusive, o contrato.
Ao abandonar o seu escritório é abordado por um homem que lhe entrega um manuscrito de um romance, pedindo-lhe uma opinião. Anunciando a sua decisão de abandonar a literatura ao desconhecido, logo esse homem se propõe a continuar a obra do escritor.
Aceite a impensável proposta, o desconhecido entrega, regularmente, novos romances para que o escritor continue a publicar. Há, no entanto, um problema. Cada romance é uma cópia de um anterior romance do escritor e vem sendo entregue na ordem inversa à da sua publicação.
Adivinha-se um novo final de carreira.
Ao abandonar o seu escritório é abordado por um homem que lhe entrega um manuscrito de um romance, pedindo-lhe uma opinião. Anunciando a sua decisão de abandonar a literatura ao desconhecido, logo esse homem se propõe a continuar a obra do escritor.
Aceite a impensável proposta, o desconhecido entrega, regularmente, novos romances para que o escritor continue a publicar. Há, no entanto, um problema. Cada romance é uma cópia de um anterior romance do escritor e vem sendo entregue na ordem inversa à da sua publicação.
Adivinha-se um novo final de carreira.
22.8.13
ideias para um conto - 4
O escritor da lentidão. Um escritor que escrevia muito lentamente, a cada dia escrevia, ora uma pequena frase, uma palavra ou mesmo só uma letra. (não passava, no entanto, nem um dia sem escrever, pois deixaria de ser escritor e esse não o seu objectivo). Era um escritor da lentidão, um escritor que nunca havia terminado o seu primeiro livro.
21.8.13
ideias para um conto - 3
Numa conferência literária na Universidade, um famoso orador adormece logo após o início da sua comunicação. Sendo um professor muito conceituado e respeitado, os presentes, numa sala cheia, parecem ter todas as reservas em acordá-lo. Então a conferência continua, no sono do orador.
20.8.13
ideias para um conto - 2
Em hora de arrumação no hotel, a empregada de limpeza bate à porta de um quarto, e, para além de nada parecer ter sido tocado durante a noite, encontra um manuscrito pousado sobre a cama. Na recepção confirmam a entrada de um homem nesse quarto, clientes dos quartos contíguos dizem ter ouvido ruídos de dentro do quarto durante a noite. Nada parece tocado, no entanto. A empregada de limpeza volta ao quarto e começa a ler o texto.
19.8.13
ideias para um conto - 1
Num encontro de escritores, um autor estrangeiro, famosamente cultor do mistério nas suas aparições públicas, perde as placas identificativas do seu nome. Alguém, no seu lugar, se apresenta então no encontro, provocando os restantes participantes, gritando, agindo sempre nos antípodas da sua fama. Quem era esta personagem? Porque ninguém o desmascara? E o que foi feito do verdadeiro autor?
16.8.13
O olhar
Como um relógio
insistindo em acertar
o que não pode
ser certo,
assim o olhar
para o olhar
avança.
insistindo em acertar
o que não pode
ser certo,
assim o olhar
para o olhar
avança.
14.8.13
O rosto
Para desenhar com a ponta
dos dedos ou,
um dia,
acariciar com o risco
dos lábios –
o rosto foi-se fazendo
material –
sólida resposta
ao secular enigma.
dos dedos ou,
um dia,
acariciar com o risco
dos lábios –
o rosto foi-se fazendo
material –
sólida resposta
ao secular enigma.
13.8.13
A infância
Albergue de memória
e sentimentos
tem espaço ainda
para envolver –
num abraço terno
e caloroso –
quem vier sincero
e sorridente,
um coração amante.
e sentimentos
tem espaço ainda
para envolver –
num abraço terno
e caloroso –
quem vier sincero
e sorridente,
um coração amante.
12.8.13
A videira
Respira solene
à beira do caminho
como se alimentasse
em silêncio
os pequenos bagos de uva
que se transformarão
em vinho.
à beira do caminho
como se alimentasse
em silêncio
os pequenos bagos de uva
que se transformarão
em vinho.
11.8.13
Era de noite
Era de noite e todas as palavras se inventaram.
Ao gosto do que quisemos acreditar nos conformamos
e nem a manhã apagou a sensação de algo raro ter acontecido.
Mas a força da razão combate o sonho.
E o sonho resguarda-se no terreno da imaginação.
9.8.13
Aquele álbum de verão (22)
Estas são
as palavras mais sinceras
- as abraçadas em vinho -
que o verão
nos pode dar.
as palavras mais sinceras
- as abraçadas em vinho -
que o verão
nos pode dar.
8.8.13
Aquele álbum de verão (21)
Em cima do palanque
o conjunto ensaia
enquanto a vocalista,
qual rainha,
se deixa pentear
sem fazer gesto.
o conjunto ensaia
enquanto a vocalista,
qual rainha,
se deixa pentear
sem fazer gesto.
7.8.13
Aquele álbum de verão (20)
A aldeia
engalanada espera
ao sol
e a banda
passa no largo
transportando
o pendão
até casa do
futuro padrinho.
5.8.13
Aquele álbum de verão (19)
Deixei-me revelar;
parte da minha missão
aqui
é esforçar-me por iludir
a minha própria ilusão.
E tu ficaste ao meu lado.
parte da minha missão
aqui
é esforçar-me por iludir
a minha própria ilusão.
E tu ficaste ao meu lado.
3.8.13
Aquele álbum de verão (18)
O desejo das moças de família
é igual ao desejo das outras
- a porta será sempre
serventia da casa.
é igual ao desejo das outras
- a porta será sempre
serventia da casa.
2.8.13
Aquele álbum de verão (17)
Olhas para o
que é diferente
de todos os
outros domingos
da tua vida.
Bem-vinda a
um mundo
que está
prestes a acabar.
31.7.13
Aquele álbum de verão (16)
Falho por falhar
propositadamente
para que tenhas o que dizer
quando me quiseres
criticar.
propositadamente
para que tenhas o que dizer
quando me quiseres
criticar.
30.7.13
Aquele álbum de verão (15)
Uma face mostra a timidez
que insiste em esconder-se
ao revelar-se
- complicadas equações
numa tarde de verão.
que insiste em esconder-se
ao revelar-se
- complicadas equações
numa tarde de verão.
26.7.13
25.7.13
Aquele álbum de verão (13)
Dois homens de fato
de boca aberta
distraídos com quem
entra no restaurante.
de boca aberta
distraídos com quem
entra no restaurante.
24.7.13
Aquele álbum de verão (12)
Jovens de
calções
passeando pela
cidade
enquanto as
nuvens cobrem
o céu que um
dia
foi azul.
23.7.13
Aquele álbum de verão (11)
Turistas de
França
numa paragem
da autoestrada
olhando um
carro
topo de gama
enquanto moscas
pousam nas
sandes.
19.7.13
Homem
A pele curtida
por muitos verões
o sorriso de dentes
gasto
o olhar no mar
perdido.
Apenas um homem
mais,
a lutar contra as marés.
por muitos verões
o sorriso de dentes
gasto
o olhar no mar
perdido.
Apenas um homem
mais,
a lutar contra as marés.
18.7.13
Palavra
No meio do álbum
queria deixar uma palavra
uma palavra apenas
escrita, definitiva, sobre a pele do livro.
No entanto, entre carícias,
a palavra ficou esquecida,
a página em branco
no álbum que, sem acabar,
nem meio terá para encontrar.
queria deixar uma palavra
uma palavra apenas
escrita, definitiva, sobre a pele do livro.
No entanto, entre carícias,
a palavra ficou esquecida,
a página em branco
no álbum que, sem acabar,
nem meio terá para encontrar.
17.7.13
16.7.13
Liberdade
A criança corre para a chuva,
uma chuva quente
em pleno julho.
A mãe grita, o pai sorri,
e ambos sabem:
a criança apenas ensaia
a liberdade.
uma chuva quente
em pleno julho.
A mãe grita, o pai sorri,
e ambos sabem:
a criança apenas ensaia
a liberdade.
15.7.13
12.7.13
Aquele álbum de verão (5)
Aos quarenta
e três anos
desejas como
as raparigas
mas não
disfarças
como elas.
És sincera
numa geografia
onde a
sinceridade
não vale
nada.
11.7.13
10.7.13
Aquele álbum de verão (3)
Um homem a perseguir
uma juventude perdida
na filha que já completou
dezasseis anos
e o odeia.
uma juventude perdida
na filha que já completou
dezasseis anos
e o odeia.
9.7.13
Aquele álbum de verão (2)
A testa
suada
os pés
gelados
na água.
As palavras
roubadas
de bocas
tímidas
onde o
silêncio
não é opção.
8.7.13
Aquele álbum de verão (1)
Uma mãe
a caminho da
praia
com duas
crianças
fugindo-lhe
das mãos.
A aparente
felicidade
não esconde
o medo
de, num
ápice,
uma delas
lhe fugir
para a
morte.
28.6.13
Rasgo
Rasgavam-se
as camisas
e era o
vento.
As ideias
espalhadas
como mensagens
que ninguém
lê.
Rasgavam-se
as cabeças
e era o
vento.
27.6.13
Luz
Sinal de aurora
nervo preciso
no extremo
da lâmina
Uma seara
um pássaro
escuro
grito sereno
Corpo lívido
luz
26.6.13
Dor
O que sabes
da dor
é pouco mais
que a sua
origem.
O que sabes
de ti
é bastante
menos
do que isso.
25.6.13
O verão era
O verão era
um labirinto
podias entrar
mas não sair
até que
todas
as paredes
caíssem
de gastas
e tu
estivesses já
bem para lá
de tudo isso.24.6.13
Estrada secundária
Baixou já o
sol
sobre a
terra
mas ainda
não
o nome das
coisas
Por uma
estrada
secundária
movem-se,
lentos,
olhares de
sono.
23.6.13
21.6.13
20.6.13
Calhau
Um dia dediquei-me a plantar
calhaus sobre o oceano
sem pensar que o futuro
me obrigaria a colhê-los.
O tempo nada sustém
e eu com ele vou.
Um dia dediquei-me a colher
os calhaus do oceano
sem pensar que o passado
não era responsabilidade minha.
Foto: Mara Sarmento
19.6.13
Pedra
Um coração feito pedra
só aspira ao infinito
calcado ininterruptamente
por aqueles desdenhosos
que não entendem
o bater das sensações
Um coração feito pedra
não repousa:
só sofre brutalmente
sem mais nenhuma esperança
para lá de um risco à superfície
feito pelos dedos dos amantes.
Foto: Mara Sarmento
18.6.13
Pureza
Delimitem-se as águas
as turvas das límpidas
as bruscas das serenas
procure-se só a pureza
do que tem mínimos
os traços.
E depois
deixe-se que o mundo
acabe.
Foto: Mara Sarmento
17.6.13
Separar
Separei a pedra da pedra
reparti o corpo
inventei a morte
em tudo deitei sal
e algures no infinito
como um coração que bate
ele voltou a nascer
Foto: Mara Sarmento
14.6.13
Intervalo
Faço dois fim-de-semanas alargados de seguida e deixo tudo em suspenso para uma próxima vida. Uma vida que já não será minha quando eu voltar. Tudo será diferente, talvez não para melhor. E o que me alivia é o facto de eu estar, mesmo, a cagar-me para tudo isso.
13.6.13
Ressaca
O Santo António foi visto esta noite, amparado por dois jovens, a fugir do carnaval. Levava baton borrado perto dos lábios, o cabelo em desalinho. Não atende o telemóvel, não está para aturar seja quem for. Espera, enquanto o corpo vai soluçando sobre uma cama que mal conhece, que seja já de noite quando levantar o estore.
12.6.13
Simulação
Não perguntes o que poderias fazer por mim. Eu não quero. Não é isso que eu compro de cada vez que te pago um café. Enfio a cabeça no jornal e tento simular uma vida normal. A esses tudo se permite. Existam filhos, familiares, empregos das nove às cinco. Não perguntes o que poderias fazer por mim. Eu não quero.
11.6.13
Rewind - Play
Recebo-te uma e outra vez, as portas sempre fechadas e os olhos bem abertos, sem que nada eu possa ver. Recebo-te uma e outra vez, podias ter percebido como é triste esta repetição eterna dos mesmos discos pedidos, das mesmas dores no corpo, das mesmas sensações. Talvez tudo esteja gasto. No entanto, recebo-te uma outra vez.
10.6.13
10 de junho para sempre
Todos temos algo que chorar, é normal, mas se o teu coração, estrangeiro, pede uma revolução, enche-o de ar e deixa-o rebentar nas tuas mãos. Todos temos algo que chorar, é normal.
7.6.13
Vida
O sentido é procurar sempre algo novo, sobre o qual possas estender as tuas experiências. Repetir, o mesmo, até ao infinito, não é solução. Ponto.
6.6.13
Isso
Assim indefinido como isso. Fazer um resumo de uma semana que não existe. Compor uma música que não se ouve. Provar qualquer coisa que não se pode tocar. Enfim. Escrever o que não pode ser escrito na vida.
5.6.13
Morte
Já estou velho. Ainda sou novo. Porque os filhos. O marido. Coisas de família. Falta de vontade. Não sei bem o que quero. Aceito qualquer coisa. Não sei como fazer. Não sei como aguenta. As coisas estão como estão. Eu não estou para isso.
4.6.13
Armas
A palavra é uma arma com que podes atirar à cara de alguém. Também a podes sentir, sussurrada entre dentes, a afiar-se penetrante nas tuas costas. Assim se fazem das palavras rios de sangue metafóricos: gente que ainda caminha pela rua, mas já morreu.
3.6.13
Guerra Civil
Deixámos, há algum tempo, a civilidade. Provavelmente, à porta de algum Centro de Emprego. Na sala de espera, já os olhares são pesados e os corpos tensos. Entras para uma sala e o discurso eleva-se: as vozes serram como máquinas, as posturas ruborizam-se, as razões vão-se perdendo na procura de se ter sempre razão. Vivemos numa guerra entre civis, perdidos que estamos dos nossos lugares no mundo. Por sorte, poucos temos armas.
31.5.13
De mim
De mim sabem coisas que eu nem imagino, tão veloz se faz o tempo nos dias em que o corpo manda mais que a razão. De mim sabem coisas que resguardam, nos seus peitos, nos seus ódios, fazendo de mim construção longínqua do que sinto. De mim sabem coisas e calam-se. Como quem quer fazer morada de um silêncio mais profundo.
30.5.13
Sorriso
Da primeira vez, ela sorriu. Eu, que nunca sei o que fazer nos momentos certos, não. Acho que ela levou a mal. Fechou a cara para todas as vezes que se seguiram, fingiu não me reconhecer num dia de semana, parece até que se indignava com aquela minha falta de jeito. Até que eu aprendi a sorrir, mesmo quando sorrir me parece tão semelhante a atirar-me a um poço. E ela, sorriu de volta.
29.5.13
Nome
Não precisas de me dizer o teu nome, provavelmente não saberias como o fazer, tão distantes são as nossas línguas e os nossos entendimentos sobre como se montam os encontros das pessoas. Um homem que segue distraído, jornal na mão, uma mulher que segura uma mala e aproveita o vento que sopra na cidade. Não precisas de me dizer o teu nome, deixa-te só existir um pouco mais na minha memória.
28.5.13
Lume
Eu não tinha lume, mas aquele olhar sorridente parecia invadir a sala ao ponto de acender todas as pontas de cigarros. Era capaz de arriscar que seria a única vez que a veria. No entanto, um ou dois dias depois, ali estava ela, de novo, na rua, presença nova na vizinhança. Não me pediu lume. Apenas planou rua abaixo, com a leveza do início da primavera.
27.5.13
Silvas
Ao subir, fechou entre os dedos um ramo de silvas, contra a palma da mão, as lágrimas nos olhos, misturando-se com a terra que lhe riscava a face. Ao subir, o sol alto sobre a cabeça, o calor da vegetação, os risos cansados de quem por ali seguia. Hesitou apenas alguns segundos, será que se as apertar com mais força evitarei a comichão? Não foi capaz.
19.5.13
Uma semana a viajar no tempo
Para acompanhar, de 20 a 25 de maio, por aqui.
17.5.13
Fixo
Um olhar
fixo num olhar fixo. Estado de choque permanente. Como numa luta para penetrar
o coração do outro, sem qualquer artifício cirúrgico, apenas essa força de
vontade de estar ali onde o outro começa. Um olhar fixo num olhar fixo. A
tensão necessária para que, de dois, se faça um.
16.5.13
Todo
Certos
olhares nunca se fixam. Querem comer todas as coisas que acontecem à sua volta.
Perante eles, ficas perdido. És apenas mais uma peça perdida do desconjunto do
mundo. Acabarás também por fugir e talvez nem notem o vazio.
15.5.13
Fecho
Nos olhos
fechados há a segurança. Se tudo se pode apagar perante a tua presença, em ti
confiam e podes sorrir. Pena que do outro lado não vejam o sorriso. Mas
sentem-no. Garanto-te.
14.5.13
Fuga
Nos olhos
que fogem insistimos em acreditar. Seja a timidez que lhe toma a direção e não
um qualquer desacerto das coisas do mundo contigo mesmo. Por isso acreditas, um
pouco mais, ainda que entres no tempo em que nem em ti podes continuar a crer.
13.5.13
Brilho
Nos olhos que brilham encontramos razões para um novo encontro. Não futuro, mas presente. Porque está ali, na nossa frente, aquele olhar recetivo e que, em convite, nos pede que continuemos a ser quem somos.
10.5.13
Acordar
Quando, um
dia, acordou, estava despenteado, a barba crescida e suja, o corpo amachucado.
Dizia agora a toda gente que estava velho. Ofereceram-lhe uma camisa, um
casaco. Reaprendeu a andar, a fazer-se gente. Disseram-lhe que o melhor era que
falasse. Ele abriu portas, revelou-se. Pouco importava que ninguém o quisesse
ouvir. Já tinha passado o tempo de viver adormecido.
9.5.13
Água salgada
Um dia bebeu
água salgada. E tanta água salgada bebeu que, dentro de si, se fez calo em
todos os órgãos. Um órgão assim funciona ainda. Apenas tem mais dificuldades
para sentir. Começa a aceitar que se lhe espetem facas. Começa a compreender
que se lhe dirijam com murros. Começa a alimentar-se da vida causada pela dor.
Um dia bebeu água salgada. E quando voltou a si, tinha-se feito mar.
8.5.13
Desistir
Um dia
desistiu. E então começou a compreender. Ninguém gosta de quem está disposto a
procurar. Quem vai, de caravela, para o mundo desconhecido, tem sempre muito o
que encontrar. Ninguém gosta disso. Causa insegurança. Melhor quem fica dentro
de uma pequena gaiola, olhando a vista desde a janela da cozinha. Por isso, um
dia, desistiu. E partiu, não metaforicamente, em direção ao mar.
7.5.13
Perdido
Um dia quis
encontrar o caminho para o coração de alguém e ficou perdido. Passava o tempo a
enfrentar os corações errados. Corações que não falavam. Corações que não
entendiam. Corações que não ouviam. Corações que se afastavam, com medo de se
perderem dentro de um coração mais forte. Um dia quis encontrar o caminho para
o coração de alguém e, percebendo que só o podia fazer através da palavra, não
sabia ainda que palavra utilizar. E, sim, ficou perdido.
6.5.13
Calado
Um dia
disseram-lhe que o melhor que fazia era estar calado. Ele calou-se. Fez muitas
estradas do caminho sem abrir a boca. Até que um dia aprendeu a falar. O estar
calado tinha-o feito aprender as várias faces de cada palavra. Dominava-as,
pelo menos, na teoria. Abrir a boca, era ainda um problema. Quando, finalmente,
disse, ninguém o compreendia.
3.5.13
Varanda
Ficas sentado na varanda e esperas que a rua se transforme, como se transforma o teu pensamento, quando ficas sentado na varanda e esperas. Não sabes bem o que existe dentro da tua cabeça e o que existe fora dela, mas a varanda existe, e lá em baixo pessoas sobem e descem, como se as coisas mais importantes do mundo coubessem naquelas pequenas cabeças que olham, para um lado, para o outro, antes de atravessar a estrada. É curioso que por pouco movimento que a rua tenha, as pessoas insistem em olhar, a ver se vem carro. Nunca vem. Nunca vem. E, se vier, o mais certo é que atropele alguém.
2.5.13
O mundo
Mesmo que os dias sejam sempre de chuva, podes vir a perceber que a rotação do mundo não se faz só para um lado. A coisa balança. Umas vezes encontras quem não queres. Noutras és levado ao colo. É o mundo, pá. Para que queres complicar as coisas? Mesmo que os dias sejam sempre de chuva, o que é que te interessa. Batem-te à porta e é ela. Tem um sorriso tímido e limpo. Tu fazes-te à vida. É o mundo, pá.
1.5.13
A preto e branco
Uma bandeira a preto e branco, como a preto e branco o pensamento do meu país. Dessem-nos uns lápis de cor e aprenderíamos a pintar com as cores certas cada canto de tecido que se nos oferecesse, assim, monocromático. Mas o que fere o daltonismo imperante é a força com que o espelho se afirma nas suas distintas fuças. E mandam retirar bandeiras, gestos, sorrisos, alegrias. Para que a monotonia do timbre siga, bem disfarçada, por debaixo do vento que corre.
Foto da instalação de Paulo Mendes, retirada do projeto 1ª Avenida, antes da sua inauguração. Daqui.
30.4.13
O saco
O que levas
aí no saco? Tu, um gajo desse tamanho, levas isso no saco? A minha mãe acha que
tu és intelectual, ela que não saiba que andas a brincar com carrinhos. Onde é
que os arranjaste? A sério? O que disseste à tipa na loja? Ela não estranhou um
gajo como tu andar a comprar carrinhos? O quê? Às pessoas, nas lojas,
acontece-lhes de tudo? Mesmo assim, é difícil de perceber. Antes de entrares lá
em casa tenta meter isso no bolso grande do casaco.
29.4.13
Um táxi para quatro
Um táxi para quatro. A juventude perdida. A noite como as outras. O calor de verão numa cidade mínima. Nada que nos preocupasse. Um táxi para quatro. Direção ao mar. Era tudo o que pedíamos. Sem horas para chegar. Portas que se abrem. Bares que se descobrem. Alguém que nos recebe com surpresa. Um sorriso. Um aperto de mão. Um táxi para quatro. A névoa marítima. O não saber nunca quanto vale acordar na manhã seguinte.
5.4.13
4.4.13
Não feches os olhos
Não feches então os olhos,
não é sono
o formigueiro que toma
o teu corpo.
Não feches os olhos,
cerra antes os punhos
sobre o lençol quente
onde te deitas.
Não feches então os olhos,
abre o sorriso,
deixa-te ser brilho
no meu peito.
Não feches os olhos,
não temas a noite.
Dessas paredes despidas
inventaremos um horizonte.
3.4.13
Foram muitas as tardes
Foram muitas
as tardes
que passamos
em frente
à televisão,
em casa
ou no café,
a ver
a Volta à
França.
Estranho
pensar agora,
esse tempo
nunca existiu.
Primeiro
deixámos de ter
idade para
ficar pelo chão
da casa a
fazer corridas
com caricas.
Depois
crescemos e nesse
movimento
cada um
foi para o
seu lado,
convencido
de levar
consigo, mais
que
a razão, a
própria vida.
Finalmente,
quando tudo
era já
passado, foram-se
também os
nossos heróis.
Esse tempo
nunca existiu.
2.4.13
Parentes na lama
Ensinaram-me o medo e o silêncio
para que tudo fosse conveniência
e não aventura desmedida.
Fizeram-me enfrentar a desilusão
repetidamente a cada idade
ora empurrando ora puxando-me
de onde queria estar.
No final, ao verem reerguer-me das cinzas
disseram que tudo fora por amor,
como se estivessem felizes
com a sua participação no resultado.
A bem da minha sanidade, calei-me,
deixei-me estar quieto e arrumado,
não fosse desrespeitar a sua memória.
1.4.13
Tempo heroico
Chamar heroico ao tempo,
não ao que passa mas ao que fica,
à chuva, ao sol e ao vento,
menos do que quem se admira,
mas por paixão se encara,
frente a frente,
com os da natureza poderosos elementos.
Chamar heroico ao tempo,
simples jogo de palavras
que se vai perdendo por traduções,
constância de quem se quer vivo
e, passo a passo, se aproxima
do que dentro do coração
o faz sentir-se humano.
De invocar Ruy Belo passou o metro,
desmedida sensação de quem
não se fez português por encomenda,
montado nos livros das bibliotecas.
Agora arruma-se em bens mais antigos
e por ofício, mais que por desejo,
burila lentamente cada letra
sem ideia da palavra que sustenta.
Chamar heroico ao tempo,
gritar pelas ruas vivas sem,
ao menos, saber de antemão
a saciedade crescente nos pulmões,
tão cruas fossem as necessidades
de quem assim se encontra,
num repente, ausente de todas as certezas.
Chamar heroico ao tempo,
pois não se acanhem,
chame-se às coisas o que elas bem merecerem
e siga-se em direção à frente,
a guerra não se faz na ausência,
nem os corpos tremem por apartado,
assim se escreve lei neste lugar.
Variação sobre tema de Alexandre Desplat
22.3.13
Primavera
Desvendas o
segredo
bem guardado
do cheiro da
tua pele.
Eu refaço o
limite
dos teus
seios,
colho os
frutos
que nascem
em teu corpo.
Planto em ti
a semente do
porvir
e tu sorris,
aninhada num
abraço,
inaugurando
a primavera.
21.3.13
Lume
Lume lume
a camisa
aberta
os dedos os
lábios
os olhos
fechados.
Lume fogo
a camisa
encarnada
revelando
bem mais
que tudo
o que
mostra.
20.3.13
De mármore
É de mármore
quente ao
toque
a pele onde
adormeço.
É de mármore
o olhar que
me enternece
sombra
sólida da dor.
É de mármore
a rigidez
dos sentidos
resistindo
bravamente ao escopro.
19.3.13
18.3.13
A tua mão fechada
A tua mão
fechada
sobre meu
peito encontro.
Peço-te, não
a abras,
por medo que
assim se perca
meu coração
17.3.13
A Aposta
O que se conhecia de Madalena de Castro Campos, que tem vindo a publicar no blogue les cahiers de la mariée, já dava o tom daquilo que se encontra n’ O Fardo do Homem Branco, o seu primeiro livro, publicado pela açoriana Companhia das Ilhas.
Ler na Revista Literária Sítio
Ler na Revista Literária Sítio
16.3.13
A Lua
A lua
reflete na água do poço.
Sedento,
bebo-a
como se
tomasse a lua
nos meus
lábios.
A lua
reflete na água do poço.
Não passa a
sede
nem deixa o
braço
de puxar o
balde.
A lua
reflete na água do poço.
E eu bebo a
água
e eu sonho a
lua
meus lábios húmidos.
A lua
reflete na água do poço.
15.3.13
A chuva
Há quanto
tempo não chovia
secara já o ribeiro
esquecera-se
também crescendo
as ervas à
sua beira.
Há quanto
tempo não chovia
nem o
pássaro cantava
fechado na
gaiola da varanda
a vizinha ao
seu lado chorando.
Foi já há
tempo demais
que água
escorrera pela vila
e agora as
marcas dos sapatos
pouco
perduram na estrada.
14.3.13
O Leite
O copo de
leite, cheio,
sobre a mesa
todas as manhãs
ainda antes
do sol nascer.
O copo de
leite, morno,
querendo
prometer a claridade
que nenhum
pensamento alcança.
O copo de
leite, de um trago,
entornado
entre os lábios
arrebatando
frágeis auroras.
13.3.13
A árvore
Um homem,
pendurado na árvore,
inspira com
todo o vagar e cuidado,
sabendo esta
a última vez.
Quebrou-se o
ramo, a vida inteira,
sobra-lhe
tempo, nada o apressa,
para
aprender a respirar.
12.3.13
O meu país
Ontem viajei até ao Concelho de Palmela, no Distrito de Setúbal, a convite do Agrupamento de Escolas do Poceirão e Marateca, para visitar várias escolas e falar sobre o “Afonso e o Livro”. Passei o dia a conversar com crianças que frequentam entre o 2º e o 4º ano do Ensino Básico, provavelmente das idades em que a capacidade de encantamento e a sinceridade na apreciação estão mais à flor da pele. Também conheci as suas professoras e professores, e desta forma fiquei a saber algo mais sobre os problemas que afetam os mais pequenos que por ali andam.
É bom lembrar que estamos a falar de lugares que estão a cinquenta ou sessenta quilómetros de Lisboa. E, por ali, há crianças que chegam muitas vezes à escola com fome. Crianças com pais adolescentes que, por sua vez, serão pais e mães bastante jovens também. Crianças tantas vezes vítimas das ausências de cuidados familiares. Crianças que estando a dez quilómetros de uma praia, nunca viram o mar. Crianças cuja única vez que foram a Lisboa foi no passeio da escola. Crianças para quem o fim-de-semana é brincar no quintal com o cão e ir ao Intermarché. Perante isto, a resposta que o Estado dá, é exigir mais resultados (leia-se, melhores notas) para que se mantenham apoios sociais mínimos, como um psicólogo na escola ou o alargamento de horários para aulas de apoio. Esquecendo, constantemente, de que por muito criativos que os professores sejam, os orçamentos mínimos não permitem que os computadores avariados, os projetores sem cabos, a energia para os aquecedores, os pavilhões sem paredes e as paredes com humidade, não se recuperam apenas com a vontade de sonhar.
No meu país, digam o que disserem na televisão, nos jornais, nas conferências de bem pensantes, continua a ser um milagre uma criança conquistar algo na vida. Como é óbvio, teremos sempre uns quantos que, felizmente, poderão estudar, formar-se, empregar-se, empreender-se e constituir-se como caso de sucesso para que o 10 de junho (feriado ou não) possa contar com os seus medalhados. Mas, no meu país, continuamos como sempre a deixar trás da cerca todos aqueles a quem não sabemos como ajudar. Não sabemos como proporcionar o planeamento familiar, nem os cuidados básicos de educação de uma criança. Não sabemos como ajudar famílias, nem como encaminhar as pessoas conforme aos seus gostos e às suas possibilidades. E, por mais chocante que pareça, atrás da cerca pode ser mesmo ali debaixo da A2, a estrada para onde tantas vezes passamos com destino ao melhor que Portugal tem (Sol &Praia à beira-mar plantados…).
Por isso ontem, quando visitei as escolas daquele agrupamento, e vi olhos que brilham, felizes, perante um livro e uma história, perante a possibilidade de se perguntar qualquer coisa a um crescido, ainda por cima um escritor, que está mesmo ali à mão de semear, percebi que apesar de tudo, estas crianças não sabem ainda de todas as limitações que terão no seu futuro (mesmo que percebam as do presente, ou não me dissesse um rapaz, da sabedoria dos seus dez anos, “sabe que a crise não me permite comprar…”). E perante isto, pedi-lhes aquilo que se pode pedir, seja a uma criança ou a um adulto: por favor, continuem a acreditar.
11.3.13
O Mel
O zumbido da
abelha
abre como um
fecho
no meio da
floresta.
Não há nada
a temer
apenas o
paraíso
prometido
pelo mel.
8.3.13
7.3.13
A falha
Muitos antes
de nós
sonharam já
o mesmo;
alguns homens
e mulheres,
alguns animais.
Mas o que
nos pesa nas costas
não é o peso
de terem falhado;
é a
insustentável solidão
de o falharmos
à nossa maneira.
6.3.13
Liberdade
Por todo o
lado havia gente
E em cada um
o seu silêncio.
Raramente,
pela avenida,
Alguém mais
bravo que gritava.
Por todo o
lado havia gente,
Uma imensa
dor partilhada.
Descendo
como quem se entrega
Cantando como
quem se cala.
5.3.13
O eco
Muitos
passos depois
já não
éramos nós
era o eco
tomando conta
do ar
ou dos
sonhos
ou da vida.
Não contava
a distância.
Havia o
aceno
havia os
teus olhos
era o eco
um coração
cantante
qualquer coisa
que vibra.
4.3.13
Manifestação
Fomos à
manifestação
para recuperar
a cidade.
Ocupámos o
meio das ruas
Caminhámos entre
prédios
abandonados
e tentámos
ternamente
o sorriso
perante todos
os que
encontrámos.
Fomos à manifestação
para recuperar
a cidade.
Mas hoje
regressámos
cada qual ao
seu lugar.
Fora das
ruas
dentro dos
prédios
abandonados de
nós
e dos
sorrisos.
Mas, sim,
tentámos.
Nós
tentámos.
1.3.13
António de Camões
Vai incerto
e não seguro
as mãos nos
bolsos
sem dar por
nada.
Sobe que
sobe
sobe a
calçada.
28.2.13
Um dia
Um dia vou
dizer-te terna
como a flor
sobrevivente
no meio da
gusa
e tu vais
sorrir de inveja
passeando
teus dedos velhos
pela bainha
da tua blusa.
27.2.13
Coimbra
Redondo como
o vento
fazia luz
dos labirintos
deixava tudo
por dizer
seu disfarce
era o medo
ou o que
viesse a acontecer.
Imaturo como
o tempo
seguia
quieto e inseguro
feito de não
se encontrar
sua
esperança era nada
ou o que
pudesse evitar.
Variação
sobre Op.29, Nuno Côrte-Real
26.2.13
Oiço ao longe
Oiço ao
longe ecoando
os díspares
frutos da cidade.
E o que não
for um canto
talvez seja
tempestade.
Variação
sobre Op.42, Nuno Côrte-Real
25.2.13
Onde pareço
Onde pareço
abismo
também
procuro
enseada
e deixo na
areia
em passos
expressa
a caminhada.
Onda do mar,
como me
poderás salvar?
Variação
sobre 5 pequenas músicas de mar, Nuno Côrte-Real
22.2.13
Transmontana - V
Deitam-se,
então, as árvores
sobre a
terra
transmontana.
Demoram-se
os caminhos
na solidão
dos montes.
Homens e
mulheres
dormindo,
horizontes
esquecidos.
Como que
apaziguados
vão nos
sonhos
dirimindo
as lutas
que chegarão
na alvorada.
21.2.13
Transmontana - IV
A pedra,
ainda a pedra,
tantos dias
cruzada,
carregada,
quantas
costas doridas
e calejadas.
A pedra,
ainda a pedra,
é só o que
resta,
e vai
ficando,
quando a
noite chega,
o sino para,
todos se
calam.
De pedra a
ponte,
de pedra o
monte.
de pedra os
homens
que
resistem.
De pedra a
memória
de pedra a
fuga.
de pedra as
camas
daqueles que
já não dormem.
20.2.13
Transmontana - III
Baixou o Rio
Malara,
é maré baixa
em toda a
aldeia.
Baixou o rio
e de pouco
servirá
agora a
ponte,
se os carros
largassem,
também,
este país.
Sob a água
ficaram
agora
algumas
pedras,
o caminho
para a outra
margem
ali ao lado.
As mulheres
compõem os lenços,
os homens
coçam a cabeça.
19.2.13
Transmontana - II
Toca o sino
todas as
meias horas
pela mão de
Dona Inácia.
Toca o sino,
limpa-se o
altar,
segue Deus
satisfeito
nesta terra
onde as
casas
contam
histórias
sem voz.
Toca o sino
e a vida
leva-se,
carregando
feno
para os
animais,
olhando o
burro
que
adormece,
chamando o
preguiçoso
cão que se
oferece
ao
visitante.
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