Olhe, nem Aljezur, nem despedimento. O rapaz queria viajar.
Andava sempre nas festas, nem tanto pelas festas, mas para andar de um lado
para o outro. Ia a Aljezur, a Odeceixe, ao Cercal… E então quando eram as
Festas de Beja, até pedia dias ao patrão. Uma vez disseram-me que o tinham
visto em São Marcos da Serra, nas festas. Ele gostava de andar de um lado para
o outro, tinha idade para isso, e olhe que ele não devia ganhar nada mal ali na
loja. Mas o patrão queria alguém mais sossegado. Cá para mim, quando ele foi
para Aljezur, já sabia que não tinha emprego, já deviam ter tido essa conversa.
Por isso é que ele se meteu naquela briga por lá, ele nunca se metia nisso. Ele
ia às festas para ver as pessoas, para lhes ouvir as conversas. Sei disso pelo
que ele me contava. Era passar ali à porta da loja e lá estava ele sempre
pronto para dizer coisas. Para contar onde tinha andado, o que tinha feito.
Quando voltou de Aljezur é que já não falava muito. Quantos dias foram? A gente
até pensava que ele tinha morrido para lá. A festa foi no domingo e ele apareceu
aí na quinta-feira. Vinha todo sujo, ele que era um rapaz de se arranjar, de
andar direitinho, era um homem de trabalho, mas gostava de fazer figura.
Apareceu na quinta-feira e vinha pendurado numa camioneta das batatas. Ao que
sei, apanharam-no ali no Vale do Juncalinho, está a ver onde é? Devia voltar a
pé. Naquele tempo era assim, a gente bem gostava da camioneta, mas não havendo
dinheiro, olhe, a malta desenrascava-se a pé. O que é que ele lá ficou a fazer?
Quem lhe disse que ele ficou por lá? Não. Cá para mim foi ver o mar. Ele falava
muito disso. Que havia de ir uns dias ver o mar. E ali de Aljezur à praia
aquilo era um saltinho. Vai-se a ver e ele queria era ser marinheiro. Foi para
ali à procura de alguma fragata, o rapaz. Ele não era doido, mas gostava. E se
não tinha ninguém à espera dele aqui, para quê voltar. Foi ver o mar, para mim
é certinho, foi ver o mar. E depois de andar ali uns dias lá pensou que voltava
a pé para a terra. Por isso é que o encontraram na quinta-feira, por lá. E
trouxeram-no para aqui. Trouxeram-no para aqui e em vez de ir para casa mudar
de roupa, sentaram-no na taberna, queriam que comesse, que bebesse um copo, que
contasse o que lhe tinha acontecido. Mas ele nunca mais falou muito. Ficou ali,
deixou-se de ser amigo de falar.