31.7.11
30.7.11
“Artigo 237.º - Impossibilidade de citação pelo correio da pessoa colectiva ou sociedade
Não podendo efectuar-se a citação por via postal na sede da pessoa colectiva ou sociedade, ou no local onde funciona normalmente a administração, por aí não se encontrar nem o legal representante, nem qualquer empregado ao seu serviço, procede-se à citação do representante, mediante carta registada com aviso de recepção, remetida para a sua residência ou local de trabalho, nos termos do disposto no artigo anterior.”
29.7.11
Apertar o cinto da imaginação, fazer com que sofra, com que chore. Apertar o cinto como meio para chegar a um texto mais correcto. Afinar a sua existência com uma realidade paralela mais abrangente, mais eficaz no momento em que é trucidada pelo leitor. Compreendes agora, dizia ele. Compreendo agora, digo. Compreendo muito melhor. Mas ainda não chega.
28.7.11
Menino (2011)
Sobra-te em corpo o que te faltou em beijos,
ouves quem te sussurre ao ouvido.
Viras-te para o outro lado da cama,
respiras fundo, soltas uma lágrima.
Esse sussurro recorda-te os excessos,
sempre equilibrando com as tuas faltas.
Querias que te cortasse pedacinhos que ninguém deseja.
A sua margem é o teu abraço.
É por ele que se guia e te encontra.
Tu choras, sentes-te perdido.
Vais-te deixando olhar, sem resposta,
e dedos frios ameaçam tocar-te,
como um caule que se arranca à folha seca.
27.7.11
Menina (2011)
As coisas simples nascem como as árvores.
Parecem-se com crianças sem esqueleto,
pequenos ramos trémulos e inseguros.
Sussurram-nos desejos, abraçam-nos.
Não te deixes assustar pelas suas palavras.
As palavras nunca feriram ninguém de morte.
Teme antes os seus lábios por beijar
A pele que se insinua candidamente.
Lá fora, todas as lojas estão fechadas.
Vagueias com passos pequenos, marcando
o corredor da casa com o rasto dos sapatos.
As coisas simples soprando como o vento.
Não te deixes consumir pelas palavras
quando a meio da noite abres os olhos.
26.7.11
Sou uma menina, muito pequenina (2005)
as coisas simples nascem como as árvores.
quando recentes, parecem crianças sem esqueleto,
pequenos ramos trémulos e inseguros, sem cor.
chegam junto dos nossos olhos e ouvidos,
sussurram-nos desejos, abraçam-nos.
as coisas simples, de tão pequenas, tornam-se
grandiosas, imprescindíveis.
as coisas simples são como as pessoas que amamos.
a minha margem é o teu abraço.
é por ele que me guio, nele me encontro.
muitos me diziam, segue a linha
no meio da estrada, é ela a estrela da manhã.
eu chorava, sentia-me perdido.
até que um dia cheguei-me à margem, ao teu abraço,
e hoje sou eu quem diz,
procura o meio da estrada nas margens do amor.
não te deixes assustar por palavras:
as palavras nunca feriram ninguém de morte.
teme antes os lábios que ficaram por beijar
e a pele que não cheiraste.
sobra-te em corpo o que te faltou em beijos,
ouves quem te sussurre ao ouvido.
viras-te para o outro lado da cama,
respiras fundo, soltas uma lágrima.
esse sussurro faz-te listas do que te sobra,
sempre equilibrado com o que te falta.
corta-te pedacinhos que ninguém deseja.
os dias perfeitos são como os amores perfeitos:
duram pouco tempo, sempre tão pouco tempo.
depois ficam os olhares perdidos sem resposta
e os dedos frios de não terem quem tocar.
os dias perfeitos são como os amores-perfeitos.
por muito bonitos e fortes, de um puxão
se vai o caule e de fraqueza lhe secam as folhas.
olho para a rua onde todas as lojas estão fechadas.
são quatro da manhã, chove.
quero os meus morangos, quero o teu amor
- repetes baixinho ao meu ouvido.
eu vagueio com passos pequenos, marcando na calçada o rasto dos sapatos.
quero os meus morangos, quero o teu amor.
quando a meio da noite abres os olhos,
não é para te lembrares da cama onde dormes
nem do homem que te acompanha.
o que pensas, nessas horas tardias, é que estás viva e te sentes só.
depois, seguras a minha mão adormecida
e voltas a cerrar os olhos, calma.
ensaiar a solidão das auroras
em cada pedaço de mim que fica por dizer.
gostava de poder ouvir de alguém
uma mensagem terna e quieta, como os meus dias.
foi depois da estrada, depois do mundo,
o momento onde, no meu descanso,
entornei uma nuvem sobre um monte
e fiquei a ver árvores desaparecer.
in Registo de Nascimento, Livrododia, 2005.
25.7.11
o tipo de poesia que eu ando a fazer por estes dias (2004)
as coisas simples nascem como as árvores. quando recentes, parecem crianças sem esqueleto, pequenos ramos trémulos e inseguros, sem cor. chegam junto dos nossos olhos e ouvidos, sussurram-nos desejos, abraçam-nos. as coisas simples, de pequenas, tornam-se grandiosas, imprescindíveis. as coisas simples são como as pessoas que amamos.
in Esferovite, 2004.
24.7.11
23.7.11
22.7.11
Harmonizar o efeito. Tal como a consequência. Afiar as arestas, não para que não magoem, mas para provocar a ferida. Des-simular um início para tornar assertivo um princípio. Evocar a violência. Evocar a leitura. Evocar o processo. Harmonizar. Verbo tão limpo para recitar tanta mágoa, tanta aspereza.
21.7.11
Caça (2011)
O leitor ou tem os dedos longos pela noite esticados
ou não é leitor. Será somente um animal dócil.
Os dedos longos do leitor, pela noite esticados,
têm válvulas de fogo imitando línguas
e assentam nas costas do escritor como carraças.
O verdadeiro leitor passa os dias bebendo sangue
e adormece extasiado em obscuros lugares do mundo.
Se ao fundo da paisagem passa uma codorniz,
agora que é tempo de caça nestes domínios,
entrará o animal poema dentro
com o lustro terreno das suas penas.
Neste dia, encontra-se o escritor
afastado da sua mesa de trabalho,
mas também nessa ausência se desenvolve a palavra.
Tudo isto, para muitos, é indiferente.
O escritor não é escritor,
só um homem passeando debaixo
da insuportável brisa de cartuchos.
O leitor não é ninguém, a não ser
um olhar doente e desvairado, nos dentes sujos
restos de poemas há muito provados.
Assume o escritor a sua condição de lavrador
levando os joelhos à terra, deixando que os dedos
mergulhem no mar castanho onde nascem as videiras.
Não se pense, no entanto, que desmedidas são
as distâncias entre a enxada e a poética.
O que o escritor lavra, neste gesto repetido,
é a comunhão do homem com a terra.
Onde quer que esteja a realidade,
não está nas páginas dos livros
-diz o escritor, ombros encolhidos,
a limpar as mãos sujas de terra nas calças.
O leitor, o que se viu em letra, de olhos vermelhos,
para além da verdade e da mentira,
chora a lucidez do criador.
Também eu lembro o tempo – fala,
agora, o leitor, enquanto caminha sobre terrenos
onde chumbo na terra se mistura.
Ao fundo ouvem-se os tiros, não já caça, guerra.
Os olhos vermelhos, no regresso à casa.
Para além da dor, também o incómodo dos fumos,
dos cheiros, da lama; palavras que nos sujam.
2011
Nota: O primeiro verso da 3ª estrofe apresentava a seguinte versão: "Mas tudo isto, para muitos, é indiferente". Por sugestão do José João Ralha, alterei o verso, cortando o "Mas" inicial.
Nota: O primeiro verso da 3ª estrofe apresentava a seguinte versão: "Mas tudo isto, para muitos, é indiferente". Por sugestão do José João Ralha, alterei o verso, cortando o "Mas" inicial.
20.7.11
Tempo de Caça (2010)
O leitor ou tem os dedos longos pela noite esticados
ou não é leitor. Será somente um animal dócil.
Resguarda-se entre as páginas sem letras
e nos intervalos ocupados dos escritórios.
Os dedos longos do leitor, pela noite esticados,
têm válvulas de fogo imitando línguas
e assentam nas costas do escritor como carraças.
O verdadeiro leitor passa os dias bebendo sangue
e adormece extasiado em perdidos lugares do mundo.
Se ao fundo da paisagem passa uma codorniz,
agora que é tempo de caça nestes domínios,
antes da refeição, antes do disparo,
entrará a codorniz poema dentro
com o lustro terreno das suas penas.
Neste dia, encontra-se o escritor
ausente da sua mesa de trabalho,
mas também na aparente inactividade
se desenvolve, silenciosamente, a palavra.
Ao não-leitor tudo isto é indiferente.
O escritor não é escritor,
só um homem passeando debaixo
da insuportável brisa de humidade
e cartuchos desta tarde de Outono.
O leitor não é ninguém, a não ser
um olhar doente e desvairado, nos dentes sujos
restos de poemas há muito provados.
O não-leitor prossegue a sua vida, indolente.
Assume o escritor a sua condição de lavrador
levando os joelhos à terra, deixando que os dedos
mergulhem no mar castanho onde nascem as videiras.
Não se pense, no entanto, que lhe são desconhecidas
as distâncias entre a enxada e a caneta.
O que o escritor lavra, neste gesto repetido,
é a comunhão do homem com a terra.
Onde quer que esteja a realidade,
não está nas páginas dos livros
-diz o escritor, ombros encolhidos,
a limpar as mãos sujas de terra nas calças.
O leitor, o que se viu em letra, de olhos vermelhos,
para além da verdade e da mentira,
chora a lucidez do criador.
Também eu lembro o tempo – fala,
agora, o leitor, enquanto caminha sobre terrenos lavrados.
Ao fundo ouvem-se os tiros, não já caça, guerra.
Os olhos vermelhos, no regresso à casa.
Para além da dor, também o incómodo dos fumos,
dos cheiros, da lama; palavras que nos sujam.
19.7.11
Prefácio (2005)
o leitor ou tem os dedos longos pela noite esticados
ou não é leitor. será somente um animal dócil.
resguarda-se entre as páginas sem letras
e nos intervalos ocupados dos escritórios.
os dedos longos do leitor, pela noite esticados,
têm válvulas de fogo imitando línguas
e assentam nas costas do escritor como borbulhas.
o verdadeiro leitor passa os dias bebendo sangue.
e adormece extasiado em qualquer parte do mundo.
se ao fundo da paisagem passa uma codorniz,
agora que é tempo de caça nestes domínios,
antes da refeição, antes do disparo,
entrará a codorniz poema dentro
com o lustro terreno das suas penas.
neste dia, encontra-se o escritor
ausente da sua mesa de trabalho.
mas também na aparente inactividade
se desenvolve, silenciosamente, a palavra.
ao não-leitor tudo isto é indiferente.
o escritor não é escritor,
só um homem passeando debaixo
da insuportável brisa de humidade
e cartuchos desta tarde de Outono.
o leitor não é ninguém, a não ser
um olhar doente e desvairado, nos dentes sujos
restos de poemas há muito provados.
o não-leitor prossegue a sua vida, indiferente.
assume o escritor a sua condição de lavrador
levando os joelhos a terra, deixando que os dedos
mergulhem no mar castanho onde nascem as videiras.
não se pense, no entanto, que lhe são desconhecidas
as distâncias entre a enxada e a caneta.
o que o escritor lavra, neste gesto repetido,
é a comunhão do homem com a terra.
ameaça a lágrima cair, desbotar a tinta
desta lã, fiada e entrelaçada até ao cansaço.
ameaça, a do leitor integrado, apagar, impedir outras leituras,
quando é um pedaço de si o que se constrói em literatura.
mas onde está a realidade?
não está nas páginas dos livros
- diz o escritor, ombros encolhidos,
a limpar as mãos sujas de terra nas calças.
o leitor, o que se viu em letra, de olhos vermelhos,
para além da verdade e da mentira,
chora a lucidez do criador.
também eu lembro o tempo - fala,
agora, o leitor, enquanto caminha sobre terrenos lavrados.
ao fundo ouvem-se os tiros, não já caça, guerra.
os olhos vermelhos, no regresso à casa.
para além da dor, também o incómodo dos fumos,
dos cheiros, da lama; palavras que nos sujam.
toma um banho quente, descansa.
amanhã não lembrarás as lágrimas de hoje,
só a dor constante.
talvez não se voltem a abrir as páginas,
- medo de algo a saltar como os castelos dos livros infantis -
os fantasmas escritos pelo teu irmão.
in Registo de Nascimento, 2005
18.7.11
Discurso do Método
Discurso:
Recuperar a ideia – todos os livros serão um só. Não uma versão única. Um caminho. Nada de definitivo, pois de sugestão em sugestão se vai reduzindo o produto da ideia poética.
Recuperar a ideia, portanto.
Poema a poema, em livro publicado. Repensado, refeito, rarefeito.
O destino, o vazio.
A eterna busca de uma perfeição impossível.
Uma só palavra.
Uma só.
Palavra.
Método:
De cada poema, as versões possíveis.
Cortadas.
Alimentadas.
Corrigidas.
De cada poema, a versão possível.
Síntomas de aversão, em resumo.
17.7.11
16.7.11
“A desconstrução da oposição consiste, neste caso, em que o trabalho de composição, afectado pelo aleatório, se torna uma arte ou uma técnica combinatória, ou pode ser descrito como tal. Ora isto pode ainda ser associado a uma ideia da crítica genética que, diferentemente da crítica textual, não se mobiliza para a fixação de um texto (não só fiável mas “autêntico”), antes se contém no estudo dos estados de um texto: a ideia é então a de que qualquer texto final ou qualquer estado final de um texto pode ser sempre considerado contingente. O seu acabamento obedeceria apenas a um tipo aventuroso de decisão que, em determinados autores, parece corresponder ao alcançar de um ideal de per-feição dificilmente definível; em outros, à sensação de que nada mais se pode fazer num prazo previsível; e em outros ainda corresponde a fazer da necessidade de dar a ler a razão de acabar. Estaríamos assim tendencialmente perante aquilo que Ponge designou como o inacabamento perpétuo.”
Manuel Gusmão, Finisterra – O Trabalho do Fim: recitar a Origem.
15.7.11
Uma semana de aprendizagem e ainda és o mesmo vulto junto à mesa onde se organizam as laranjas, as peras, as uvas. Procuras, com a ponta dos dedos tão pequenos, alguns resquícios de areia da praia. Sabes como delinear os desenhos através dos sinais do corpo. Uma semana de aprendizagem e ainda és aquela raiva de não saber como expressar. Arrancas palavras e repetes, muitas vezes, até encontrar um sentido e um lugar onde elas caibam. Sabes organizar jardins, sim. Mas ainda estás longe do segredo de ressuscitar flores arrancadas à terra.
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