2.1.13

Oração - 1


Talvez tenha existido aqui
um arvoredo, antes das dunas,
muito antes de toda esta pedra
levada pelo vento para o mar.
Escuto esta atracção de séculos,
dia a dia,
noite a noite,
este enamoramento
da natureza, sensual amor
dos elementos inanimados.
Preciso de aprender esta nova língua,
um imperceptível movimento dos lábios,
o sol do mar,
o batimento do coração.
Preciso de aprender um modo
de contar esta história,
de viver esta vida
imaginada pela névoa,
quando é de manhã.
Ser daqui é ser de longe,
de onde nascem as ondas,
de onde começam a soprar os ventos,
de onde os homens são sós
e os caminhos pedregosos.
Ser daqui é ser do mundo inteiro.
É ser de nenhum lugar.
Aqui, o deserto,
e depois as vagas
cavalgando dunas e arribas,
inscrevendo à força
a sua violência na pedra.
Perceber isto,
é perceber a beleza que existe
no incompreensível.
Aqui, o deserto,
uns quantos homens
caminhando por entre a névoa
e os dias, encontrando aqui
a magia, o sossego
e a vidência
que o inquieto espírito pede,
e que nunca nenhum homem
alcança,
por muito que se aproxime.
A minha idade é não ter idade
e eu sou do tempo da construção das casas,
dos pés despidos sobre a terra.
Éramos do exacto tamanho
dos dias, apenas
acrescentados de uma fogueira,
pequenas brasas
restando da sopa quente do jantar.
Éramos do material dos legumes
e da fruta pequena
que crescia no quintal.
Os nossos pés eram pães duros,
mas as lágrimas e a dor eram adultas,
carregavam-nos como quem leva
o trigo até à vila.
A minha idade é não ter idade,
pouco sei dizer do que não vivi.
Foi desses dias que me fiz inteiro.