Ignoro outro sentido
para todo este azul do mar,
mas os meus olhos, todo o corpo,
me impelem a ele, à viagem,
e é o seu sussurro ao meu ouvido
a minha inteira meditação.
Peço-lhe um segundo, uma pausa,
recolho-me em sua casa e não o oiço,
será apenas um sussurro,
este mar, a maré a encher.
Deixa o mar entrar em tua casa,
o teu corpo é água salgada
e navega-se como o reencontro.
De que te adianta dizeres agora
que nada sabes de poesia?
Segura a cabeça entre as mãos,
nada te faltará.
Deixa o mar entrar em tua casa,
faz-te água, sal, areia, reencontro.
Navegas em ti como quem nasce.
É apenas isso, o conhecimento das marés.
Dentro de ti, fonte do meu ser,
encontro a paz tantos dias afastada –
e talvez seja difícil compreender
a singularidade dos meus actos,
mas tu de tudo sabes
e eu nada tenho que te dizer.
Dentro de ti brilha tudo
como brilham os meus olhos,
e o teu ventre é quente,
apaixonado,
eterna consolação de mim.
Não lhes sobra nome.
As águas brancas, feitas de vento
e de barcos frágeis,
pele escamada dos peixes,
foram buscar as asas ao futuro
e trouxeram a manhã
com o barulho dos motores.
Eu sou do tempo da areia,
do vento sobre os corpos
ínfimos em descoberta.
O meu nome é conhecido,
fica em minhas mãos pelas tardes,
veste casaco,
cumprimenta as pessoas da terra.
Penso muitas vezes
nos elementos da natureza,
pensando em como
o corpo dos homens
tão bem explica a existência
de tudo em seu redor.
Muitas vezes eu hesito,
em todas elas sei que existo.
E depois de tudo isto,
um pormenor apenas,
um não saber dizer
o que olhar ou sentir,
uma profunda nostalgia
de todos os tempos,
confusão dos sentidos,
das agendas ou memórias,
telefones públicos
a tocar de madrugada,
dizer que te amo,
dizer o quê,
toda a vida a vida inteira,
depois de tudo isto,
um lugar onde querer ficar.
Ser esta a voz do meu canto,
plena de rouquidão das vagas,
salgada como a história do passado,
rupestre como a pedra,
elevada como o azul
de tanto céu.
Ser esta a voz do meu mundo,
desejo lírico mais profundo,
nervura mais sensível,
a pele feita toda terra,
o coração saber-se luz.