13.1.17

Ator secundário

Tu perdes todos de quem gostas, ao ritmo das rodas-dentadas da carruagem, num comboio com destino para lugar algum. Era ele o homem perdido que caminhava em busca de uma coisa que ninguém por perto compreendia. Talvez por isso parecesse sempre tão calado, tão sentido, tão ausente. O seu mundo era um outro, onde vestia a casaca de uma personagem e o ser estranho era uma espécie de cartão-de-visita para o mundo. Tu perdes todos de quem gostas, cantavam-lhe ao ouvido, como há certas músicas que não conseguimos tirar de dentro da cabeça, como há memórias de que não nos sabemos proteger. O comboio seguia, num homem de face imperturbável, pronto a ser herói da sua causa: ator secundário da história do mundo.

12.1.17

No tempo das fotografias

Sentia-se puxado para dentro das fotografias e, consoante a época, cada uma das imagens gerava em si sensações distintas. As fotos do início do século provocavam-lhe uma sensação de miséria, como se a fome lhe crescesse dos olhos. Pelos anos cinquenta, sentia já alguma capacidade de esperança, mesmo que toda a esperança o faça chorar. Nas fotos mais recentes, dos anos setenta, a sua empatia com aquelas ruas amplas e limpas permitiam-lhe respirar. Ainda assim, uma sensação qualquer de fim-de-semana isolado, de dia de visita ao belo construído, não uma vivência diária. Porque o dia-a-dia seria, com certeza, uma prisão. Uma prisão de onde lutaria para sair, apenas para se sentir mais preso a seguir. A fuga, no tempo das fotografias, não seria possível.