28.11.12

Sol

Hoje o sol acordou connosco, vamos passear lá fora e despir todos os pensamentos pelo jardim. Sim, está um gelo, deixa que o gelo purifique a pele que insiste em envelhecer sob o peso dos preconceitos. Hoje o dia quis fazer-nos uma surpresa, vamos dançar para a varanda e assobiar para que regressem os passarinhos. Sim, o jardim está vazio, deixa que a tua imaginação pinte todas as coisas com as cores da primavera.

27.11.12

A Rua

Desço a rua pelas últimas vezes, saboreando assim um ritual que se irá perder muito em breve. Sabermos, de antemão, do fim de uma rotina, dá-nos tempo para entender melhor aquilo que fazemos. Porque é que, ao longo do tempo, fui escolhendo esta rua, e não outra, para chegar ao destino; quem são estas caras que eu reconheço, sem nada mais saber do que o facto de com elas me cruzar nesta rua.

Desço, então, a rua, pelas últimas vezes, nada amargado com a situação reconhecida, nem sequer desiludido com o fim de algo que não soube bem como começou. O sol decidiu aparecer, apesar da brisa gelada que vem do rio. Na calçada, mais uns taipais anunciam novas obras, reconstituições. Sinal de que nada é para sempre, nesta rua, nesta vida.


26.11.12

Frio

Não me apercebi da passagem do verão. Apenas das janelas abertas e do sol na varanda. Não me apercebi de que o tempo passa, sequer. Era o primeiro agosto desta casa e tudo era novo, em descoberta.

Agora, voltou o frio. O inverno já conhecido por aqui. A noite ocupa o comprimento dos dias e as janelas permanecem fechadas. Corremos a buscar as mantas, festejamos os momentos em que o forno está ligado.

Resistiremos poucos dias ao ligar do aquecedor. Não estamos por aqui para sermos heróis de nada. Desejamos apenas que o conforto se construa como algo natural. Como o verão que passou despercebido, como depressa o inverno também acabará.

E, com ele, o frio.

20.11.12

Peregrinatio ad loca sancta

Podia dizer a poesia a tentar-me - não sei explicar melhor certas coisas que prefiro serem sem explicação. Mas talvez uma noite como as outras, com o amor de sempre, alguma música, sobretudo, tudo aquilo que nos une, cada vez mais.

Podia dizer a vida recomeça agora - quantas mentiras somos capazes de colar ao nosso inconsciente? - e afinal apenas o caminho que segue pelas suas curvas, uma e outra vez. Mas talvez o inverno que se aproxima, com o amor de sempre, uma fruta seca, sobretudo, tudo aquilo que nos faz ficar ainda mais perto.

noite

porque saber tudo,
ainda assim,
sabe-me a pouco.

memória contrafeita


 o astronauta alucinado recomenda, sorridente,
um encontro amoroso na rua do mercado
de modo a que os amantes possam estar conscientes
do valor passível de ser produzido num beijo
ou numa troca de palavras visivelmente apaixonadas.

assertivamente considera positivo e desejável
o equilíbrio das partes neste encontro já marcado.
o homem deve trazer casaco escuro, como os doutores,
e a mulher arranjar o cabelo de modo a fazer-se notar.
o valor do encontro é o desencontro de todas estas regras.

no conjunto das palavras que se encaixam nestas frases,
as que vão ser debitadas pelos lábios molhados dos amantes,
encontram-se aquelas que soam a frutos, sumos e liberdades,
ou seja, as palavras que são queridas por quem se ama.
o astronauta alucinado deseja-vos bom fim-de-semana.