O prédio está em silêncio, no seu repouso
erigido à beira da estrada.
Sou capaz de imaginar alguma brisa,
folhas de arbustos a correr assustadas.
No quarto ao lado, tu. Adormecida e ausente,
em sonhos. Levanto-me e apalpo
o trajecto reconhecido, a luz apagada.
Na cozinha, sento-me perto da janela.
O frigorífico remexe-se, eléctrico e molhado.
Não sei o que espero, quero ler na escuridão
das casas vizinhas muitas outras sombras sentadas.
Reconheço a cidade por um avião que passa,
ao alto. Só nos perdemos assim, silenciosos.
Podia fechar os olhos, um escuro mais escuro,
a fingir-se tela de imaginações. Ouviria um rio.
O frigorífico. Pressinto a electricidade, no silêncio
impossível desta casa. Para voltar ao meu colchão,
passo pela porta do quarto onde dormes.
Sim, estás lá. Procuro, no monte de roupa suja
que deixei na sala, as peças suficientes para sair à rua.
Protege-me a escuridão. Paro junto à porta,
afinal irrompe a respiração na ausência de sons.
Não faço malas, não sei se me apetece voltar.
A carteira, os pensamentos de que não me consigo separar.
Mantenho as chaves do lado de dentro da porta.
Não faço barulhos. Deixo, em cima da mesa,
um caderno em branco, o meu recado.
Vais fingir que eu nunca existi
e eu não vou voltar a procurar como dizer
coisas que me doem.
Depois da morte, talvez.2011