25.3.11

Dois dias na Beira

Devido a um novo convite da Livraria Jardim, da Guarda, o Afonso viajou até ao interior de Portugal, desta vez para visitar escolas em Manteigas, Teixoso e Orjais. Quatro horas de viagem no final de tarde e início de noite até chegar a uma terra que foi esquecida por todos e que luta, cheia de limitações, para se manter viva. Durante essas quatro horas, pensei muitas vezes na falácia de estar de visita ao “país real”. Mas não.  O interior é, cada vez mais, o país irreal, esquecido, ignorado. Levar um pouco, por muito pouco que seja, às crianças daqueles lugares é um imperativo. Pouco mediático, mas seguramente muito efectivo.

Manteigas

Comecei o dia na EB1 de Manteigas, conhecendo um grupo de meninos dos 1º e 2º ano, para além dos meninos da Pré-Primária. Também vieram alguns meninos da aldeia de Sameiro e fui um deles, o Duarte, quem tinha várias dúvidas sobre as ilustrações do Afonso, às quais tive o maior gosto de responder. O grande problema era o facto de alguns dos bonecos aparecerem desenhados sem pernas, ao que tive que responder que se tratava de um desafio à imaginação deles. No fundo, o facto de não estar ali parte do desenho, dava-lhes total liberdade para imaginarem o que quisessem. Da parte da tarde, as turmas do 3º e 4º ano levaram a conversa do Afonso para o Futebol e houve discussão sobre quem era o melhor jogador do momento. Um dos meninos, que disse ser primo do Carlos Martins, tinha um favorito inesperado. Questões de família.

Antes da sair da EB1 ainda houve tempo para plantar um azevinho, assinalando o Dia Mundial da Árvore. Lemos um poema do Jorge de Sousa Braga e era já hora de seguir viagem para a EB2+3 de Manteigas, onde um grupo de alunos e professores me esperava para falar de poesia. Mudar de registo, em poucos minutos, não é fácil. Afinal estava perante um grupo de adolescentes de quem pouco sabia. A professora Eulália Pereira, que me acompanhou durante o dia, tinha-me incentivado a falar de um dos meus novos poemas, chamado “O pastor a solidão”. Talvez tenha exigido demasiado deles, embora tenham mantido o silêncio e a atenção durante a minha conversa. Talvez lá tenha ficado alguma coisa. Talvez.

Agora, se visitas às escolas não vos levarem a Manteigas, há uma coisa que deverá colocar esta vila no vosso mapa. Procurem a Albergaria Berne e provem o prato de Entrecosto e Enchidos com Migas de Feijoca. Acho que o nome diz tudo. Vá lá, todos a Manteigas.

Teixoso e Orjais

Quinta-feira foi dia de ir para perto da Covilhã, começando o dia na EB1 de Teixoso. Por ali, encontrei algumas grandes ideias sobre o trabalho dos escritores. Um dos meninos definiu, maravilhosamente, o trabalho da escrita, dizendo que é preciso fazer com que a história “soe bem”. Outra das meninas, anunciada por uma colega como a “melhor ilustradora” da escola, ficou intrigada com o facto de eu ser de Santa Cruz, dizendo que o costume é “os escritores serem de Lisboa e nunca virem ao Teixoso”. Por ali também fiquei a conhecer uma candidata a escritora, que até já escreveu histórias “de três páginas daqueles cadernos grandes”. Algo me diz que, por ali, há muita ideia bonita a fervilhar.


Depois do almoço, foi até Orjais, onde tive uma recepção em grande, com os meninos a correrem pelo recreio para me aplaudirem. Afinal, era mesmo a primeira vez que um escritor vinha até aquela Escola. As professoras Paula e Goreti fazem um trabalho espectacular com os miúdos, lutando contra as carências do lugar e da ausência de biblioteca na escola. Os meninos são incentivados à leitura e têm por hábito fazer fichas de leituras. A festa era tão grande que havia um enorme Afonso na parede, rodeado de muitos trabalhos dos alunos da escola, e, vim a descobrir mais tarde, até havia bolo.

Alguns dos meninos trouxeram uma câmara de filmar improvisada, de cartão, fazendo-me uma entrevista no final. Também estiveram presentes os meninos da escola de Vale Formoso e havia imensas perguntas sobre o livro e a escrita. Também aproveitei para ler a história em voz alta, para que os meninos percebessem a entoação que o escritor dá às palavras que escreve. Ainda houve tempo para uma sessão com os meninos do Jardim de Infância, um grupinho muito interessado e completamente ligado à corrente. A Raquel não esteve nada de acordo comigo quando eu lhes disse que os escritores passam despercebidos na rua. Afinal, ela mora em frente à escola, e se eu passasse por ali, ela saberia logo quem eu era. Já mesmo no fim da visita, a Beatriz achou que a história que eu ando a preparar, sobre um menino chamado Pedro, ainda não estava grande coisa. “Só isso?” perguntou ela um tanto indignada. A verdade é que vou ter que me esforçar mais para que a história comece a soar bem…

Antes de voltar a casa, não me posso esquecer de dizer como o bolo estava delicioso. E, ao que me parece, não restou nem um pedacinho para contar a história.