Virá

Deixa a boca fechada
o olhar mortiço;
engana-os enquanto podes.
Sai à rua mal engomado
despenteia-te;
sorte não seres notado.
As mãos nos bolsos
recheados;
licença para escolher.
O que te apetecer,
virá.

Estacionamento pago

Não gosta das raparigas
que alternam humores
consoante os namoros
onde se estacionam.
Tão pouco acha fiáveis
os lugares pagos
e cronometrados.

Velho

De olhar
era cansado
o velho
no alpendre.
Esgotado
como o melão
que adivinha
o fim de agosto.

Lua

Era uma face nova
pouco vista por
estes lugares.
Era uma lua agendada
pronta a desvanecer.

Herança

Flete
e
insiste.
A acabar
ainda resiste.

História

Sempre a tentação de seguir a história,
pegar numa ponta que ficou esquecida,
percorrê-la, pisando de novo chão pisado,
em busca de reviver o ignorado pela memória.
Sempre essa tentação. 

Portas

Não lhe seriam pesadas as manhãs,
se os dias fossem portas abertas
onde a brisa entra sem pedir licença.

Desenho

O meu desenho são as lágrimas que nunca existiram,
como se fossem filhas do nada, no chão da sala.
O meu desenho é esse momento que nunca aconteceu. 

Estrada

Encontra-me uma estrada,
repetia eu dentro da cabeça.
Encontra-me uma estrada,
inventa-me uma filosofia,
dentro, eu, da cabeça.
Encontra-me uma estrada.

Dominar o mundo

Por muito pequeno que seja,
o mundo dentro do teu coração.
Por muito desconhecido,
o mundo das paisagens, dos desertos.
Por muito agreste,
o mundo das tempestades.
Por muito quente, o mundo dos fogos.
Por muito inútil que pareça
uma palavra.
A poesia vem para dominar o mundo.
Dominar o mundo.
Para sempre.

Carteiro

O corpo,
se quiser,
será morada,
lamentada
pelas cartas
por entregar.

Arriba

O corpo,
se quiser,
será arriba,
desenrolada
pedra a pedra
até ao mar.

Força

Não dar a sinceridade
por garantida.
Nem temer a vaidade
se forçada.

Silêncio

Tu gabas-me o silêncio
por saber
pouco sonoro
o soneto
que em mim escrevo.

Marco

Para não deixar morrer
a poesia em mim,
exercito-a
de boca fechada.