30.8.13

A história do mundo contada por computadores - 5

Isto são tudo números
e os números não enganam.
As pessoas sim.
Com dez dedos
em busca incessante
da felicidade

digital.

29.8.13

A história do mundo contada por computadores - 4

Um computador já pode simular
o cansaço – da mesma maneira,
tu te deitas e levantas como se
nada fosse.
Uma pergunta tanta vezes ignorada
é também uma resposta mal dada.

28.8.13

A história do mundo contada por computadores - 3

A história do mundo não é
a tua história.
Sabes isso, mas não sabes.
Ignoraste sempre os fins
de modo a aproveitar os meios.
No pouco que dormias
encenavas, finalmente,
o muito que sorrias.

27.8.13

A história do mundo contada por computadores - 2

Tentaste refazer o mundo
exatamente, peça a peça,
a partir do pouco que vivias
em forma de não-vida possível.
Cedo percebeste que algo novo
podia inventar-se, ao menos se.
E se, logo depois, aconteceu.

26.8.13

A história do mundo contada por computadores - 1

Antes do império
ou depois do império
não sei bem
ao certo –
tudo era longe
para o perto
que eu buscava –
e não era filosofia,
era, talvez, miopia.
Dizia eu,
antes do império,
era apenas o desconhecimento.
A felicidade
não se escrevia
com os dez dedos

das mãos.

23.8.13

ideias para um conto - 5

O fornecedor de histórias. Um escritor já com longo currículo tem, por obrigações contratuais, que entregar um romance até final do ano. Visto que há uns meses que tenta, sem sucesso, elaborar um texto, decide desistir e deixar o mundo da escrita, quebrando, inclusive, o contrato.
Ao abandonar o seu escritório é abordado por um homem que lhe entrega um manuscrito de um romance, pedindo-lhe uma opinião. Anunciando a sua decisão de abandonar a literatura ao desconhecido, logo esse homem se propõe a continuar a obra do escritor.
Aceite a impensável proposta, o desconhecido entrega, regularmente, novos romances para que o escritor continue a publicar. Há, no entanto, um problema. Cada romance é uma cópia de um anterior romance do escritor e vem sendo entregue na ordem inversa à da sua publicação.
Adivinha-se um novo final de carreira.

22.8.13

ideias para um conto - 4

O escritor da lentidão. Um escritor que escrevia muito lentamente, a cada dia escrevia, ora uma pequena frase, uma palavra ou mesmo só uma letra. (não passava, no entanto, nem um dia sem escrever, pois deixaria de ser escritor e esse não o seu objectivo). Era um escritor da lentidão, um escritor que nunca havia terminado o seu primeiro livro.

21.8.13

ideias para um conto - 3

Numa conferência literária na Universidade, um famoso orador adormece logo após o início da sua comunicação. Sendo um professor muito conceituado e respeitado, os presentes, numa sala cheia, parecem ter todas as reservas em acordá-lo. Então a conferência continua, no sono do orador.

20.8.13

ideias para um conto - 2

Em hora de arrumação no hotel, a empregada de limpeza bate à porta de um quarto, e, para além de nada parecer ter sido tocado durante a noite, encontra um manuscrito pousado sobre a cama. Na recepção confirmam a entrada de um homem nesse quarto, clientes dos quartos contíguos dizem ter ouvido ruídos de dentro do quarto durante a noite. Nada parece tocado, no entanto. A empregada de limpeza volta ao quarto e começa a ler o texto.

19.8.13

ideias para um conto - 1

Num encontro de escritores, um autor estrangeiro, famosamente cultor do mistério nas suas aparições públicas, perde as placas identificativas do seu nome. Alguém, no seu lugar, se apresenta então no encontro, provocando os restantes participantes, gritando, agindo sempre nos antípodas da sua fama. Quem era esta personagem? Porque ninguém o desmascara? E o que foi feito do verdadeiro autor?

16.8.13

O olhar

Como um relógio
insistindo em acertar
o que não pode
ser certo,
assim o olhar
para o olhar
avança.

15.8.13

Entre os sentidos das palavras ditas, as intenções, nos olhares, se marcam.

14.8.13

O rosto

Para desenhar com a ponta
dos dedos ou,
um dia,
acariciar com o risco
dos lábios –
o rosto foi-se fazendo
material –
sólida resposta
ao secular enigma.

13.8.13

A infância

Albergue de memória
e sentimentos
tem espaço ainda
para envolver –
num abraço terno
e caloroso –
quem vier sincero
e sorridente,
um coração amante.

12.8.13

A videira

Respira solene
à beira do caminho
como se alimentasse
em silêncio
os pequenos bagos de uva
que se transformarão
em vinho.

11.8.13

Era de noite

Era de noite e todas as palavras se inventaram.
Ao gosto do que quisemos acreditar nos conformamos
e nem a manhã apagou a sensação de algo raro ter acontecido.
Mas a força da razão combate o sonho. 
E o sonho resguarda-se no terreno da imaginação.

10.8.13

A cada manhã, uma colher de ideologia.
Imagine, amigo, o bem que lhe faria.

9.8.13

Aquele álbum de verão (22)

Estas são
as palavras mais sinceras
- as abraçadas em vinho -
que o verão
nos pode dar.

8.8.13

Aquele álbum de verão (21)

Em cima do palanque
o conjunto ensaia
enquanto a vocalista,
qual rainha,
se deixa pentear
sem fazer gesto.

7.8.13

Aquele álbum de verão (20)

A aldeia engalanada espera
ao sol
e a banda passa no largo
transportando o pendão

até casa do futuro padrinho.

5.8.13

Aquele álbum de verão (19)

Deixei-me revelar;
parte da minha missão
aqui
é esforçar-me por iludir
a minha própria ilusão.
E tu ficaste ao meu lado.

3.8.13

Aquele álbum de verão (18)

O desejo das moças de família
é igual ao desejo das outras
- a porta será sempre
serventia da casa.

2.8.13

Aquele álbum de verão (17)

Olhas para o que é diferente
de todos os outros domingos
da tua vida.
Bem-vinda a um mundo

que está prestes a acabar.